Para pessoas sensíveis este é um filme muito perigoso. Não porque ele seja chocante ou cruel, o cinema de agora já se encarregou de nos dar vacinas contra todo tipo de choque. O que ele tem de perigoso é sua sedução, uma sedução exagerada, desbragada, sem censura e sem noção. A vida de Tchaikovski é exibida como um delirio de ópio, de culpa e de medo. O filme, nada realista, é quase um carnaval brega, mas que diabos! Ele é maravilhosamente delicioso.
Foi massacrado em seu tempo. Russell vinha do sucesso de MULHERES APAIXONADAS e sentiu-se livre aqui para fazer o que desejasse. E fez. O estilo sem limites de Ken Russell está todo aqui. Câmera dançarina, cenas de simbolismo colorido e raso, excessso de vermelhos e azuis, atuações operísticas, zero de realismo. Nada é linear, nada parece plausível, Russell sacrifica tudo pelo exagero, pelo vôo. E devo admitir que funciona. Vemos a reabilitação de Ken Russell no século XXI.
Ele surgiu em meio aos anos 60 com a leva de brilhantes cineastas britãnicos ( Schlesinger, Boorman, Richardson, Loach, Reisz, Harvey, Lester ). Foi logo considerado o mais superficial, um decorador de cenas, publicitário de filmes vazios. Mas MULHERES APAIXONADAS dobrou seus críticos. DELIRIO DE AMOR fracassou e seus inimigos se sentiram vingados. No resto dos anos 70 ele faria filmes cada vez mais descontrolados ( LIZSTOMANIA, TOMMY ). Na década de 80 ele realizaria o filme mais doentio que já vi, e sumiria em produções de TV. Morto recentemente, há um movimento que procura o reabilitar. Baz Luhrman tem muito de seu estilo.
Piotr Illytch Tchaikovski é um homossexual culpado. Se casa para tentar ser um "homem comum". Casa-se, que ironia, com uma ninfomaniaca e sua vida se faz um pesadelo. Raros filmes mostraram tão claramente o medo da mulher. Ao lado dela, ele não consegue compor. Se separam e amado por uma nobre russa ( muito platonicamente ) ele se faz feliz ao ser sustentado por ela. Mas seu passado volta. O filme, hiper e desavergonhadamente romântico, não o romântico Julio Iglesias, mas sim o romantico em sua acepção original, Byron e Schiller, é trágico e ao mesmo tempo sedutor. Eu o assisti aos 16 anos na Tv e nunca mais o havia visto. Na época ele teve um efeito poderoso, confirmou meu delirio romantico, casou-se a perfeição com minhas leituras de Poe e de Hugo. Alguém deveria escrever um livro sobre o quanto os filmes vistos nos 16 primeiros anos de vida podem decidir o futuro de um homem. Todo o clima fatalista/estético e exagerado do filme grudou em mim. Fico contente em saber que ao contrário de outros filmes vistos na época, este ainda me emociona.
Glenda Jackson faz a esposa ninfo de Piotr. Ela era a atriz da moda em 1971. Havia ganho um Oscar por MULHERES APAIXONADAS e ganharia o segundo em 1973 por UM TOQUE DE CLASSE. Vinda do teatro de Peter Brook, assim como Julie Christie e Vanessa Redgrave, Glenda jamais quis ser uma estrela. Largou o cinema no fim dos anos 70 para se dedicar a politica. Foi uma das maiores inimigas de Thatcher. Ela, como tudo no filme, não tem medo. Faz cena de nú grotesco, e tem cena em hospicio de entrega absoluta. É uma mulher feia, quase masculina, mas que tem um estranho sex-appeal. Magnética ao extremo. Richard Chambelain, ator estrela da época na TV, foi esculhambado por sua atuação. Eu o vejo ok. Tem os olhos lânguidos que o personagem pede.
Há uma tradição inglesa de grandes fotógrafos de cinema. Ela nasce lá nos anos 40 com Jack Cardiff e Guy Green, e segue com Oswald Morris, Freddie Young, Nicholas Roeg, Geoffrey Unsworth,Gerry Fischer, Ernest Day e aqui o barroco Douglas Slocombe. A fotografia deste filme foi aquela que aos 16 anos me fez notar o quanto um filme pode ser bonito de se olhar. Suntuoso. Cada fotograma é uma pintura à Gainsborough. Sim, Gainsborough na Russia.
O filme é ridiculo. Algumas cenas parecem circo e depois carnaval. Ken Russell joga tudo no lixo, roteiro e dramaticidade em troca de uma cena "barroca". Erra muito. Mas o que sentimos? Nenhum tédio, nenhum momento de irritação e uma sensação de leveza e de breguíssimo sublime.
Não sei voce, mas eu adoro!
Foi massacrado em seu tempo. Russell vinha do sucesso de MULHERES APAIXONADAS e sentiu-se livre aqui para fazer o que desejasse. E fez. O estilo sem limites de Ken Russell está todo aqui. Câmera dançarina, cenas de simbolismo colorido e raso, excessso de vermelhos e azuis, atuações operísticas, zero de realismo. Nada é linear, nada parece plausível, Russell sacrifica tudo pelo exagero, pelo vôo. E devo admitir que funciona. Vemos a reabilitação de Ken Russell no século XXI.
Ele surgiu em meio aos anos 60 com a leva de brilhantes cineastas britãnicos ( Schlesinger, Boorman, Richardson, Loach, Reisz, Harvey, Lester ). Foi logo considerado o mais superficial, um decorador de cenas, publicitário de filmes vazios. Mas MULHERES APAIXONADAS dobrou seus críticos. DELIRIO DE AMOR fracassou e seus inimigos se sentiram vingados. No resto dos anos 70 ele faria filmes cada vez mais descontrolados ( LIZSTOMANIA, TOMMY ). Na década de 80 ele realizaria o filme mais doentio que já vi, e sumiria em produções de TV. Morto recentemente, há um movimento que procura o reabilitar. Baz Luhrman tem muito de seu estilo.
Piotr Illytch Tchaikovski é um homossexual culpado. Se casa para tentar ser um "homem comum". Casa-se, que ironia, com uma ninfomaniaca e sua vida se faz um pesadelo. Raros filmes mostraram tão claramente o medo da mulher. Ao lado dela, ele não consegue compor. Se separam e amado por uma nobre russa ( muito platonicamente ) ele se faz feliz ao ser sustentado por ela. Mas seu passado volta. O filme, hiper e desavergonhadamente romântico, não o romântico Julio Iglesias, mas sim o romantico em sua acepção original, Byron e Schiller, é trágico e ao mesmo tempo sedutor. Eu o assisti aos 16 anos na Tv e nunca mais o havia visto. Na época ele teve um efeito poderoso, confirmou meu delirio romantico, casou-se a perfeição com minhas leituras de Poe e de Hugo. Alguém deveria escrever um livro sobre o quanto os filmes vistos nos 16 primeiros anos de vida podem decidir o futuro de um homem. Todo o clima fatalista/estético e exagerado do filme grudou em mim. Fico contente em saber que ao contrário de outros filmes vistos na época, este ainda me emociona.
Glenda Jackson faz a esposa ninfo de Piotr. Ela era a atriz da moda em 1971. Havia ganho um Oscar por MULHERES APAIXONADAS e ganharia o segundo em 1973 por UM TOQUE DE CLASSE. Vinda do teatro de Peter Brook, assim como Julie Christie e Vanessa Redgrave, Glenda jamais quis ser uma estrela. Largou o cinema no fim dos anos 70 para se dedicar a politica. Foi uma das maiores inimigas de Thatcher. Ela, como tudo no filme, não tem medo. Faz cena de nú grotesco, e tem cena em hospicio de entrega absoluta. É uma mulher feia, quase masculina, mas que tem um estranho sex-appeal. Magnética ao extremo. Richard Chambelain, ator estrela da época na TV, foi esculhambado por sua atuação. Eu o vejo ok. Tem os olhos lânguidos que o personagem pede.
Há uma tradição inglesa de grandes fotógrafos de cinema. Ela nasce lá nos anos 40 com Jack Cardiff e Guy Green, e segue com Oswald Morris, Freddie Young, Nicholas Roeg, Geoffrey Unsworth,Gerry Fischer, Ernest Day e aqui o barroco Douglas Slocombe. A fotografia deste filme foi aquela que aos 16 anos me fez notar o quanto um filme pode ser bonito de se olhar. Suntuoso. Cada fotograma é uma pintura à Gainsborough. Sim, Gainsborough na Russia.
O filme é ridiculo. Algumas cenas parecem circo e depois carnaval. Ken Russell joga tudo no lixo, roteiro e dramaticidade em troca de uma cena "barroca". Erra muito. Mas o que sentimos? Nenhum tédio, nenhum momento de irritação e uma sensação de leveza e de breguíssimo sublime.
Não sei voce, mas eu adoro!