O PLANETA DOS MACACOS, AFINAL: QUEM É O HERÓI?

   Existem momentos que definem um caminho futuro em sua vida. Assistir este filme na TV, aos dez anos, sábado de noite com meus pais, serviu para me mostrar que o cinema podia ser uma coisa muito mais desconcertante que aquilo que eu pensava. Esqueça a refilmagem de Tim Burton, um dos filmes mais aborrecidos da história do cinema, e não leve em conta a nova saga, que se concentra nos efeitos e nada tem de relevante em história. Esta é a origem, a versão de 1967, que estranhamos hoje não ter conseguido nenhum reconhecimento da critica da época. Era um tempo em que todo filme que fosse "fantasioso" seria sempre tratado como "filme B". Mas com o tempo este fascinante exercício de criação se fez clássico. Além de ter sido um hit entre o público desde sempre. O filme que vi na TV Globo quando criança era um evento especial, a primeira exibição na telinha de um filme famosíssimo. E eu explico agora, o que ele tem de tão bom?
  A história. Baseada em conto de Pierre Boulle; Michael Wilson e Rod Serling, conseguiram dizer coisas profundas sem nunca perder o contato com a emoção, com a aventura. Três astronautas caem num mundo desconhecido. Viajaram a velocidade da luz e agora mal conseguem saber em que tempo estão. Vagam por um deserto e então um bando de macacos civilizados os atacam. Só um sobrevive. Até aí o que temos é pura inquietação. A trilha sonora de Jerry Fielding consegue ser profundamente cacofônica e mesmo assim servir às imagens. Graças a ela nossos nervos se sensibilizam. As imagens conseguem criar estranheza apenas com a habilidade de foco e luz. Nada foi construído, é o nosso mundo, mas parece muito esquisito.
  Charlton Heston sempre foi um deus, um Moisés, um Ben-Hur. Ele foi um herói de ação que parecia inteligente. Conseguia transmitir uma imensa virilidade mesclada a vida interior complexa. Isso é muito raro, um ator fisico e mental ao mesmo tempo. E além de tudo ele era dono de uma voz poderosa, ecoante, a voz de quem sabe fazer e faz. Pois bem, ele é preso e se torna um tipo de rato branco de laboratório. Nossa primeira surpresa é essa, os homens não são macacos nesse mundo, não são nem mesmo coelhos, são ratos, uma praga que deve ser extinta. Com o tempo ele irá falar, irá angariar a simpatia de um casal de psicólogos e a ira de uma autoridade religiosa. Tudo culminará com o final antológico. Daí vem a riquesa do filme, ele poderia, e é também, ser um alerta contra a crueldade que fazemos aos os animais. Mas ele vai além, mostra a igreja e todo dogma cientifico como depositário de autoritarismo, de cegueira. Mas, e aí vem seu ponto principal, quando Heston descobre a verdade, descobrimos com ele que é ELE, o até então Herói, o grande Vilão!!!! O final do filme não é apenas impactante por ser surpreendente ( e na época eu fiquei muito chocado ), ele causa surpresa por percebermos junto com Heston que o macaco-vilão "poderia" estar certo. Como agentes do mal, esses simios querem destruir a raça humana, mas estariam errados? A questão do filme é: os homens merecem viver?
   As refilmagens, a série de TV, as antologias de "melhores cenas" de cinema, destruíram a surpresa que aquele final causava. Mas este filme sobrevive como algo de muito invulgar, diversão com cabeça, corajosa inversão de climas e de certezas.
  Franklyn J. Schaffner não errou durante dez anos. Fez uma série de filmes famosos entre 1965/1975. Em 1970 ganhou Oscar de direção com PATTON, talvez a melhor coisa que fez. Mas com o correr dos anos foi perdendo a garra e se tornou burocrático. Não dou os méritos deste filme a sua direção. Eles repousam em roteiro perfeito e uma equipe inspirada. Mas Schaffner teve ao menos o mérito de não estragar o que tinha em mãos. O PLANETA DOS MACACOS sobreviveu às modas. É um grande filme.