Aqui vão três perfis de três pessoas, hoje pouco conhecidas, mas que tiveram importância fundamental não só pra mim, como pra um monte de gente da minha geração.
Arduino Colasanti nasceu na Itália, mas isso é só um detalhe. Na verdade ele foi o primeiro cara a ficar de pé numa prancha no Rio ( no Brasil foi um salva-vidas de Santos que agora me escapa o nome... que injusto! ), era um cara culto, elegante, atlético, bonitão e boa praça. Juro que é verdade, ele existe e namorou todas as mulheres que valiam a pena. E algumas que nem valiam. Foi um dos maiores símbolos sexuais do país, num tempo em que isso não era uma profissão.
Mas ele gostava mesmo era do mar. Nadava imensas distâncias, pescava ( era amigo dos velhos pescadores ), jogava volei, frescobol, futebol na areia e nas horas vagas namorava. Arduino veio pro Brasil em 1948, aos doze anos. Sua irmã, Marina, se faria uma das melhores jornalistas do Brasil. Ao chegar foram morar no Parque Lage, no palácio que lá existe. Eles eram parentes da Condessa Lage. Mas, cercado por todo aquele luxo suntuoso, o negócio de Arduino era fazer amizade com pescadores e viver de pesca e provas de natação. Ajudou a desbravar Búzios, Arraial do Cabo e Cabo Frio. Entre seus alunos de natação houve um tal de João Gilberto. Outro que Arduino ensinou foi Paulo Francis. Também apresentou Búzios à Brigitte Bardot, e disso ele se arrepende pois não podia adivinhar o que iria acontecer com a praia que ele tanto amava. Ele era o tipo de cara que se lhe cortassem a luz por falta de pagamento, acenderia velas e tudo bem. Um hippie anterior a invenção da palavra.
Em 1966 se tornou ator. Não que quisesse, mas um de seus amigos de praia era Nelson Pereira dos Santos e ele achou que Arduino seria um bom tipo para seu novo filme. Depois desse ele fez mais 36 filmes, sempre achando que o próximo seria o último e nunca pensando que aquilo fosse uma carreira. Foi o primeiro ator do Brasil a fazer nú frontal em cinema e se tornou depois escafandrista. Foi em 1977, quando ele cansou do cinema e se mudou pro Maranhão. Foi viver num saveiro. Mas em 79 já voltava pro Rio. Desde então, fez algumas participações em filmes, rodou documentários sobre a vida marinha e deu aulas de mergulho para uns poucos. A grana da familia se foi faz tempo, mas Arduino não se importa. Viveu onde desejou viver, namorou as melhores mulheres, nunca precisou obedecer alguém.
Vendo-o hoje, um senhor idoso, a pele marcada pelo sol, os olhos azuis ainda sonhadores, o que posso sentir é prazer. Prazer em ver em Arduino que a vida ainda pode vencer, que a liberdade pode ser possível e que o desejo é imperador. Na voz daquele velho do mar há alegria, paz, sentido.
A segunda figura é um dos mais surpreendentes super-stars dos anos 70/80, Eduardo Mascarenhas, um psicanalista. Se tive ou tenho algum interesse por psicologia, ela se deve a antológica entrevista que ele deu à Playboy em 1980 ( quando a Playboy era a Playboy ). Ele, naquele tempo, era figura presente em todo canto, TV, jornal, rádio e principalmente festas, restaurantes e Ipanema. Eduardo era abominado por seus colegas, era chamado de charlatão, egocêntrico, anti-ético. Isso porque ele quebrava vários tabús ( num tempo em que eles eram todos quebrados ), Eduardo encontrava clientes na praia e conversava com eles. Dizia que no consultório era o psicanalista, na praia era um homem. Aliás essa era uma de suas frases: psicanalistas são humanos, vivem e sentem desejo. Tanto desejo que ele se casou com uma ex-paciente, Christiane Torloni, na época uma das mulheres mais gostosas do Brasil. Talvez ainda seja. Mas as más linguas diziam que ele namorava todas as pacientes....
Houve uma época em que ele recebia em seu consultório: Arnaldo Jabor, Caetano Velloso, Francisco Cuoco, Daniel Filho, Gilberto Braga, Glauber Rocha, Cacá Diegues, Sonia Braga.... seu consultório era em Botafogo, na Visconde de Pirajá.
Ele dizia que era tudo inveja, inveja e medo. Medo do que ele falava. Em 1980 ele e Hélio Pellegrino foram expulsos da SPRJ ( Sociedade Psicnálitica do Rio de Janeiro ) por falarem a verdade. Eduardo disse que 90% dos psicanalistas jamais se dera ao trabalho de ler Freud, que no Brasil era imoral cobrar os preços que eram cobrados e que entre eles existiam até ex-torturadores. Um ano depois ele foi readmitido ( Eduardo fazia parte da Sociedade Psicanálitica de Vienna ). Nessa altura ele tinha programas na TV e pregava uma psicanálise carioca. Que psicanalista e psicanalisando não deveriam negar o fato de ser brasileiros. Ele queria sessões mais calorosas, carinhosas, vivas. Dizia que aquilo que Freud dissera, na conservadora e fria Vienna de 1880 era inaplicável ao Brasil. Que nossos medos e desejos eram outros e a forma de abordá-los tinha de ser radicalmente diferente. Mas ele próprio diria que nada há de mais conservador que um grupo de Freudianos e que qualquer mudança é sempre vista como charlatanismo. Infelizmente em 1997 um câncer o levou aos 54 anos. Ruy Castro diz que a influência e o carisma de Mascarenhas eram tão grandes, que até hoje tudo o que Arnaldo Jabor fala e escreve tem a marca de Eduardo.
Se Ipanema dos 60/70 é marcada pelo prazer, e se eu estou escolhendo esses caras por entender que prazer é liberdade ( Arduino ) e inteligência criativa ( Eduardo ), a terceira vértice é a beleza, porque a beleza é o maior dos prazeres.
Ionita Salles Pinto é até hoje minha noção de beleza feminina. Desde meus doze anos, quando comecei a reparar nela, em fotos de festas, fotos de viagens, fotos sensuais, e algumas aparições na TV. Ela era sensual, belíssima e acima de tudo dava uma sensação de saúde, de luxo natural, de saber viver.
Filha de diplomatas, aluna do Sacre-Coeur, aos treze anos já era um avião. Com 14 teve uma filha, um filho aos 15 e aos 17 se separou do pai dessas duas crianças. Só isso?
Aos 16 ela fizera amizade com diretores de cinema e começara a frequentar reuniões da esquerda. Teve de pular um muro quando a policia entrou atirando. Ivan Lessa jura que ela era a mulher mais linda do mundo, fato que é confirmado por toda Ipanema de então. Ao se separar do pai das crianças, namorou Renato Machado ( o jornalista ), e Francis Hime. Em 1967, com vinte anos, foi pra Paris estudar cinema. Mas a saudade dos filhos a fez voltar e na festa de retorno conheceu Jorginho Guinle. A cantada de Guinle é histórica: " Ionita, eu tenho 52 anos e voce 20. Me dê dois anos de sua vida. Pra voce não é nada, pra mim é uma vida inteira". Ficaram sete anos juntos. Ela passa a frequentar o circulo de Guinle: os Rothschild, os Windsor, Marisa Berenson. Polanski. Uma vida de festas em Paris, Veneza, Londres, Cannes e Hollywood. Fez fotos com Richard Avedon e se cansou de tanto champagne. Em 1975 ela conheceu Antonio Guerreiro. Aí a relação foi o oposto da que ela tivera antes. Trancavam-se e ficavam dias sem sair. Antonio a fotografava obsessivamente. Milhares de fotos, milhares de poses não posadas. Em dois anos acabou.
Depois ela se casou de novo, foi avó aos 35 anos, abriu uma loja e adaptada ao estilo dos anos 80, fez-se mulher de negócios. Ionita é símbolo da intensidade de uma geração.
Essas três belas figuras são daquelas que vi de longe em minha formação. Arduino era o cara que eu ( e toda a torcida do Flamengo ) queria ser, Eduardo o cara que me ajudava com seus toques, e Ionita a mulher que eu pensava conhecer.
Arduino Colasanti nasceu na Itália, mas isso é só um detalhe. Na verdade ele foi o primeiro cara a ficar de pé numa prancha no Rio ( no Brasil foi um salva-vidas de Santos que agora me escapa o nome... que injusto! ), era um cara culto, elegante, atlético, bonitão e boa praça. Juro que é verdade, ele existe e namorou todas as mulheres que valiam a pena. E algumas que nem valiam. Foi um dos maiores símbolos sexuais do país, num tempo em que isso não era uma profissão.
Mas ele gostava mesmo era do mar. Nadava imensas distâncias, pescava ( era amigo dos velhos pescadores ), jogava volei, frescobol, futebol na areia e nas horas vagas namorava. Arduino veio pro Brasil em 1948, aos doze anos. Sua irmã, Marina, se faria uma das melhores jornalistas do Brasil. Ao chegar foram morar no Parque Lage, no palácio que lá existe. Eles eram parentes da Condessa Lage. Mas, cercado por todo aquele luxo suntuoso, o negócio de Arduino era fazer amizade com pescadores e viver de pesca e provas de natação. Ajudou a desbravar Búzios, Arraial do Cabo e Cabo Frio. Entre seus alunos de natação houve um tal de João Gilberto. Outro que Arduino ensinou foi Paulo Francis. Também apresentou Búzios à Brigitte Bardot, e disso ele se arrepende pois não podia adivinhar o que iria acontecer com a praia que ele tanto amava. Ele era o tipo de cara que se lhe cortassem a luz por falta de pagamento, acenderia velas e tudo bem. Um hippie anterior a invenção da palavra.
Em 1966 se tornou ator. Não que quisesse, mas um de seus amigos de praia era Nelson Pereira dos Santos e ele achou que Arduino seria um bom tipo para seu novo filme. Depois desse ele fez mais 36 filmes, sempre achando que o próximo seria o último e nunca pensando que aquilo fosse uma carreira. Foi o primeiro ator do Brasil a fazer nú frontal em cinema e se tornou depois escafandrista. Foi em 1977, quando ele cansou do cinema e se mudou pro Maranhão. Foi viver num saveiro. Mas em 79 já voltava pro Rio. Desde então, fez algumas participações em filmes, rodou documentários sobre a vida marinha e deu aulas de mergulho para uns poucos. A grana da familia se foi faz tempo, mas Arduino não se importa. Viveu onde desejou viver, namorou as melhores mulheres, nunca precisou obedecer alguém.
Vendo-o hoje, um senhor idoso, a pele marcada pelo sol, os olhos azuis ainda sonhadores, o que posso sentir é prazer. Prazer em ver em Arduino que a vida ainda pode vencer, que a liberdade pode ser possível e que o desejo é imperador. Na voz daquele velho do mar há alegria, paz, sentido.
A segunda figura é um dos mais surpreendentes super-stars dos anos 70/80, Eduardo Mascarenhas, um psicanalista. Se tive ou tenho algum interesse por psicologia, ela se deve a antológica entrevista que ele deu à Playboy em 1980 ( quando a Playboy era a Playboy ). Ele, naquele tempo, era figura presente em todo canto, TV, jornal, rádio e principalmente festas, restaurantes e Ipanema. Eduardo era abominado por seus colegas, era chamado de charlatão, egocêntrico, anti-ético. Isso porque ele quebrava vários tabús ( num tempo em que eles eram todos quebrados ), Eduardo encontrava clientes na praia e conversava com eles. Dizia que no consultório era o psicanalista, na praia era um homem. Aliás essa era uma de suas frases: psicanalistas são humanos, vivem e sentem desejo. Tanto desejo que ele se casou com uma ex-paciente, Christiane Torloni, na época uma das mulheres mais gostosas do Brasil. Talvez ainda seja. Mas as más linguas diziam que ele namorava todas as pacientes....
Houve uma época em que ele recebia em seu consultório: Arnaldo Jabor, Caetano Velloso, Francisco Cuoco, Daniel Filho, Gilberto Braga, Glauber Rocha, Cacá Diegues, Sonia Braga.... seu consultório era em Botafogo, na Visconde de Pirajá.
Ele dizia que era tudo inveja, inveja e medo. Medo do que ele falava. Em 1980 ele e Hélio Pellegrino foram expulsos da SPRJ ( Sociedade Psicnálitica do Rio de Janeiro ) por falarem a verdade. Eduardo disse que 90% dos psicanalistas jamais se dera ao trabalho de ler Freud, que no Brasil era imoral cobrar os preços que eram cobrados e que entre eles existiam até ex-torturadores. Um ano depois ele foi readmitido ( Eduardo fazia parte da Sociedade Psicanálitica de Vienna ). Nessa altura ele tinha programas na TV e pregava uma psicanálise carioca. Que psicanalista e psicanalisando não deveriam negar o fato de ser brasileiros. Ele queria sessões mais calorosas, carinhosas, vivas. Dizia que aquilo que Freud dissera, na conservadora e fria Vienna de 1880 era inaplicável ao Brasil. Que nossos medos e desejos eram outros e a forma de abordá-los tinha de ser radicalmente diferente. Mas ele próprio diria que nada há de mais conservador que um grupo de Freudianos e que qualquer mudança é sempre vista como charlatanismo. Infelizmente em 1997 um câncer o levou aos 54 anos. Ruy Castro diz que a influência e o carisma de Mascarenhas eram tão grandes, que até hoje tudo o que Arnaldo Jabor fala e escreve tem a marca de Eduardo.
Se Ipanema dos 60/70 é marcada pelo prazer, e se eu estou escolhendo esses caras por entender que prazer é liberdade ( Arduino ) e inteligência criativa ( Eduardo ), a terceira vértice é a beleza, porque a beleza é o maior dos prazeres.
Ionita Salles Pinto é até hoje minha noção de beleza feminina. Desde meus doze anos, quando comecei a reparar nela, em fotos de festas, fotos de viagens, fotos sensuais, e algumas aparições na TV. Ela era sensual, belíssima e acima de tudo dava uma sensação de saúde, de luxo natural, de saber viver.
Filha de diplomatas, aluna do Sacre-Coeur, aos treze anos já era um avião. Com 14 teve uma filha, um filho aos 15 e aos 17 se separou do pai dessas duas crianças. Só isso?
Aos 16 ela fizera amizade com diretores de cinema e começara a frequentar reuniões da esquerda. Teve de pular um muro quando a policia entrou atirando. Ivan Lessa jura que ela era a mulher mais linda do mundo, fato que é confirmado por toda Ipanema de então. Ao se separar do pai das crianças, namorou Renato Machado ( o jornalista ), e Francis Hime. Em 1967, com vinte anos, foi pra Paris estudar cinema. Mas a saudade dos filhos a fez voltar e na festa de retorno conheceu Jorginho Guinle. A cantada de Guinle é histórica: " Ionita, eu tenho 52 anos e voce 20. Me dê dois anos de sua vida. Pra voce não é nada, pra mim é uma vida inteira". Ficaram sete anos juntos. Ela passa a frequentar o circulo de Guinle: os Rothschild, os Windsor, Marisa Berenson. Polanski. Uma vida de festas em Paris, Veneza, Londres, Cannes e Hollywood. Fez fotos com Richard Avedon e se cansou de tanto champagne. Em 1975 ela conheceu Antonio Guerreiro. Aí a relação foi o oposto da que ela tivera antes. Trancavam-se e ficavam dias sem sair. Antonio a fotografava obsessivamente. Milhares de fotos, milhares de poses não posadas. Em dois anos acabou.
Depois ela se casou de novo, foi avó aos 35 anos, abriu uma loja e adaptada ao estilo dos anos 80, fez-se mulher de negócios. Ionita é símbolo da intensidade de uma geração.
Essas três belas figuras são daquelas que vi de longe em minha formação. Arduino era o cara que eu ( e toda a torcida do Flamengo ) queria ser, Eduardo o cara que me ajudava com seus toques, e Ionita a mulher que eu pensava conhecer.