Bernard Berenson viveu 94 anos. Nasceu no apogeu da Europa do século XIX ( 1865 ), e faleceu só em 1959. Judeu da Lituânia, filho de uma das famílias mais ricas do mundo, Berenson cresceu nos EUA, em Boston, estudou história da arte em Harvard e foi viver na Itália. Casou-se e se tornou o mais famoso esteta de seu tempo. Quando algum bilionário precisava saber se aquele quadro era mesmo de Ticiano, ou se não seria uma obra de algum discípulo, era a Berenson que ele consultava. Foi o árbitro do gosto, e mais que isso, foi o responsável por uma nova abordagem às obras de arte, os desenhos passaram a ser analisados por seu valor em si, e não como ensaios de obras maiores. Este livro, com introdução de Daniel Piza, é uma não-biografia escrita pelo próprio biografado.
Berenson discorre sobre seus pensamentos. Sobre sua vida material, pouco fala. Mas ao ler essa agradável obra, sentimos conhecer verdadeiramente quem ele é. Ao contrário de certas bios, que encavalam datas e casos e nada mostram de motivações e sentimentos, aqui nada há de histórico, de corrido, de fofoca; mas o espirito de Bernard Berenson é exposto. Escrito durante os quatro anos da segunda-guerra, na Toscana, é o relato de alguém que ama a vida. Alguns pensamentos de Bernard Berenson merecem ser destacados.
Primeiro o fato de que ele é o autor que mais se aproxima daquilo que senti em minha infância. Ele descreve a sensação de plenitude, do eu ligado a tudo que existe, de se sentir dono do mundo, de que todo o universo é aquilo que eu vejo, de deslumbramento com a vida, com o ato de ser. O livro, em poucas linhas, consegue explicar ( ou seria melhor: demonstrar, já que é inexplicável ), essa sensação de felicidade absoluta. Bernard Berenson diz que sempre que se depara com uma obra-prima tem a recordação viva dessa alegria da infância. Não conheço melhor definição de arte superior: o reencontro consigo mesmo, a valorização da experiência de viver.
Berenson se debate muito com duas coisas que sempre o perturbaram: a preguiça de escrever ( apesar de escrever todos os dias, ele sente que desperdiçou seu tempo, que escreveu pouco ) e a impossibilidade de se auto-conhecer. É impossível saber quem somos. Mais, é impossível que alguém nos conheça. O eu interior, que é imutável, que é idêntico ao eu dos seis anos de idade, esse eu é incomunicável. Sempre nos surpreendemos com o modo como os outros nos vêem. Sempre nos assustamos ao nos ver no espelho.
É claro que ele faz críticas ao mundo moderno, e uma delas é surpreendentemente premonitória. Ele diz que há um excesso de "fazeres" no mundo. As pessoas fazem coisas demais e não sobra tempo para a fruição. E o mais importante, as pessoas se entopem de informação e não conseguem se livrar de toda essa massa de coisas... precisam vomitar palavras, imagens, sons, se livrar, eliminar tanto material supérfluo. Não conseguem. Não existe um anus mental.
A outra crítica é sobre a morte da arte da conversa. Nosso tempo valoriza o homem de ação, o homem que faz muito, que age por impulso. Esquecemos que tudo o que realmente constrói é fruto de diálogo, de discussão, de conversa. Jesus, Buda, Maomé, Confúcio falaram muito e quase nada fizeram. Os grandes líderes mundiais estão perdendo o dom de conversar, de falar, de demonstrar. As pessoas não sabem mais o que dizer e sequer lembram do porque se deveria dizer. Animalização do homem.
Um pensamento de Berenson que transcrevo:
" Se tivéssemos a certeza de que todo dia nasceria uma nova obra-prima, não teríamos a necessidade de guardar o que foi feito. Sabemos que essas obras não só são raras, como cada vez se tornam mais impossíveis. E é isso que nos diferencia dos animais. A consciência do valor, a consciência da história, de que há um passado e de que haverá um futuro. Um animal sente que o que ele fez hoje será feito igual amanhã. O homem sabe que o que hoje foi feito amanhã não o será."
Berenson diz ter tido sempre em vista a eternidade. Ele queria ser Goethe. Não foi, mas isso lhe deu uma visão abrangente da vida, o dom de não se prender ao aqui e agora, de perceber o global, o atemporal. Isso lhe ajudou a enfrentar crises, a superar obstáculos, a colocar as coisas em sua perspectiva real. O que é esta guerra em relação a 5000 anos de história? O que é este sucesso em relação a Goethe?
Bernard Berenson fala sobre alguns amigos famosos ( nada de fofocas ), Edith Wharton, Bernard Shaw e Oscar Wilde. Lamenta a prostituição que Wilde e Shaw cometeram, a roda viva de conferências em que eles tentavam impressionar os jecas.
Ao terminar de redigir o livro ( que é curto ), Berenson está com 75 anos. É claro que ele não sabe que ainda viverá mais de uma década, então esse final tem um ar de despedida da vida. E é então que o livro atinge seu melhor ponto. Ele sente que as percepções que ele vivera na infãncia retornam com a velhice. Ele volta a ser parte do todo, a apreciar sem julgar, a usufruir sem pensar em motivos e objetivos. A luz volta a lhe envolver, o tempo a ser abstrato, as ações a serem pausadas. Bernard Berenson se reconcilia.
É um livro sobre um amante das artes que pouco fala de arte. Ele fala de vida.
Berenson discorre sobre seus pensamentos. Sobre sua vida material, pouco fala. Mas ao ler essa agradável obra, sentimos conhecer verdadeiramente quem ele é. Ao contrário de certas bios, que encavalam datas e casos e nada mostram de motivações e sentimentos, aqui nada há de histórico, de corrido, de fofoca; mas o espirito de Bernard Berenson é exposto. Escrito durante os quatro anos da segunda-guerra, na Toscana, é o relato de alguém que ama a vida. Alguns pensamentos de Bernard Berenson merecem ser destacados.
Primeiro o fato de que ele é o autor que mais se aproxima daquilo que senti em minha infância. Ele descreve a sensação de plenitude, do eu ligado a tudo que existe, de se sentir dono do mundo, de que todo o universo é aquilo que eu vejo, de deslumbramento com a vida, com o ato de ser. O livro, em poucas linhas, consegue explicar ( ou seria melhor: demonstrar, já que é inexplicável ), essa sensação de felicidade absoluta. Bernard Berenson diz que sempre que se depara com uma obra-prima tem a recordação viva dessa alegria da infância. Não conheço melhor definição de arte superior: o reencontro consigo mesmo, a valorização da experiência de viver.
Berenson se debate muito com duas coisas que sempre o perturbaram: a preguiça de escrever ( apesar de escrever todos os dias, ele sente que desperdiçou seu tempo, que escreveu pouco ) e a impossibilidade de se auto-conhecer. É impossível saber quem somos. Mais, é impossível que alguém nos conheça. O eu interior, que é imutável, que é idêntico ao eu dos seis anos de idade, esse eu é incomunicável. Sempre nos surpreendemos com o modo como os outros nos vêem. Sempre nos assustamos ao nos ver no espelho.
É claro que ele faz críticas ao mundo moderno, e uma delas é surpreendentemente premonitória. Ele diz que há um excesso de "fazeres" no mundo. As pessoas fazem coisas demais e não sobra tempo para a fruição. E o mais importante, as pessoas se entopem de informação e não conseguem se livrar de toda essa massa de coisas... precisam vomitar palavras, imagens, sons, se livrar, eliminar tanto material supérfluo. Não conseguem. Não existe um anus mental.
A outra crítica é sobre a morte da arte da conversa. Nosso tempo valoriza o homem de ação, o homem que faz muito, que age por impulso. Esquecemos que tudo o que realmente constrói é fruto de diálogo, de discussão, de conversa. Jesus, Buda, Maomé, Confúcio falaram muito e quase nada fizeram. Os grandes líderes mundiais estão perdendo o dom de conversar, de falar, de demonstrar. As pessoas não sabem mais o que dizer e sequer lembram do porque se deveria dizer. Animalização do homem.
Um pensamento de Berenson que transcrevo:
" Se tivéssemos a certeza de que todo dia nasceria uma nova obra-prima, não teríamos a necessidade de guardar o que foi feito. Sabemos que essas obras não só são raras, como cada vez se tornam mais impossíveis. E é isso que nos diferencia dos animais. A consciência do valor, a consciência da história, de que há um passado e de que haverá um futuro. Um animal sente que o que ele fez hoje será feito igual amanhã. O homem sabe que o que hoje foi feito amanhã não o será."
Berenson diz ter tido sempre em vista a eternidade. Ele queria ser Goethe. Não foi, mas isso lhe deu uma visão abrangente da vida, o dom de não se prender ao aqui e agora, de perceber o global, o atemporal. Isso lhe ajudou a enfrentar crises, a superar obstáculos, a colocar as coisas em sua perspectiva real. O que é esta guerra em relação a 5000 anos de história? O que é este sucesso em relação a Goethe?
Bernard Berenson fala sobre alguns amigos famosos ( nada de fofocas ), Edith Wharton, Bernard Shaw e Oscar Wilde. Lamenta a prostituição que Wilde e Shaw cometeram, a roda viva de conferências em que eles tentavam impressionar os jecas.
Ao terminar de redigir o livro ( que é curto ), Berenson está com 75 anos. É claro que ele não sabe que ainda viverá mais de uma década, então esse final tem um ar de despedida da vida. E é então que o livro atinge seu melhor ponto. Ele sente que as percepções que ele vivera na infãncia retornam com a velhice. Ele volta a ser parte do todo, a apreciar sem julgar, a usufruir sem pensar em motivos e objetivos. A luz volta a lhe envolver, o tempo a ser abstrato, as ações a serem pausadas. Bernard Berenson se reconcilia.
É um livro sobre um amante das artes que pouco fala de arte. Ele fala de vida.