EM BUSCA DE MEU PAI- STEPHEN HUMPHREY BOGART

   O American Film Institute, em 2008, elegeu pela terceira vez seguida, Humphrey Bogart como a maior estrela masculina do cinema. Kate é a atriz, e Bogey deixou para trás Cary Grant, Spencer Tracy, James Stewart e Gary Cooper, ( dos atores em atividade o melhor colocado é Jack Nicholson, ele é o 17 ).
   Como é ser filho do mito? Stephen é o único filho homem de Bogey e este livro é um ajuste de contas entre os dois. Pois Stephen, hoje produtor da ESPN, cresceu com um imenso rancor em relação ao pai. O motivo é muito simples, Bogey morreu aos 56 anos e Stephen tinha apenas 8. O que o filho mais queria o pai não pode lhe dar: tempo.
   Humphrey Bogart era um homem à antiga. Ele gostava de estar com sua turma, com seus amigos homens ( Huston, Sinatra e Spencer Tracy eram os mais íntimos ), o negócio dele era whisky, cartas, bares e piadas. Bogart falava sem parar, adorava provocar, dizia sempre o que pensava e por causa da lingua solta, vivia se metendo em brigas. Adorava ser ator e quando tinha tempo livre, se dedicava a seu maior amor: navegar. Humphrey Bogart era louco pelo mar e acima de qualquer coisa, se dedicava a seu veleiro, o Santana. E o tempo para seu filho?
   Quando se casou com Lauren Bacall, 25 anos mais jovem que ele, Bogey já tinha 45 anos. Ja´fora casado 3 vezes, e em seu último casamento fora muito infeliz. Mayo Method, alcoólatra, tinha a mania de jogar copos, pratos e facas nele. Mas eram ótimos na cama, e ele aguentou 8 anos. Foi pai pela primeira vez aos 48, e é cômico ver a falta de jeito que Bogart demonstra com crianças. Vários amigos dizem que ele olhava para Stephen como se o filho fosse um tipo de ET. Essa distância, esse tempo apressado que o pai passava com ele, marcaram Stephen. ( O que o marcou também é ter crescido com milhares de pessoas lhe dizendo: "Esse é o começo de uma bela amizade", " Toque de novo Sam", "Sempre teremos Paris", ou lhe provocando: "Então voce é o filho de Bogey? Vamos ver se voce é durão...").
   Há uma história engraçada que demonstra quem foi Bogart. Uma vez um amigo pediu para que ele tomasse conta de seu filho, só por duas horas. Apavorado, Bogey perguntou: "Mas o que eu falo com ele?", o pai disse: "Sei lá...voce é o padrinho dele, fale de religião". Quando o pai voltou, duas horas depois, viu Bogart sentado dizendo para o garoto: "Então Kid...existem dez mandamentos, certo?"
   Humphrey Bogart era filho do mais famoso cirugião de New York, e de uma renomada ilustradora de revistas. Cresceu em casa com mordomo e chauffeur. Aos 8 meses de idade, Bogey se tornou famoso em todo o país, sua foto foi usada como rótulo de comida de bebês. Mas seus pais não se davam e Bogart cresceu ouvindo suas brigas.
   Ele serviu na primeira guerra e era um aluno culto e bom leitor, porém indisciplinado e brigão. Foi na guerra, que num acidente bobo, ele feriu seu lábio, que ficou paralisado. De volta pra casa, tentou vários empregos, até que um dia, um amigo, filho de um amigo de seu pai, o levou para o teatro. Bogart foi contra-regra, assistente de direção e ator. Começou fazendo pontas e era ridicularizado por alguns críticos. Aos 30 anos se destacou na peça A FLORESTA PETRIFICADA, e quando ela foi levada para o cinema, lá estava Bogart.
   Sua atuação nesse filme é das coisas mais fortes que já vi em cinema. Ele entra em cena e o resto desaparece. Mas a Warner não soube usá-lo e Bogart passa anos como coadjuvante, fazendo papéis de bandido e de vilão. Até que Raoul Walsh e depois Huston lhe dão a grande chance. Bogart estoura e se torna o ator mais bem pago da Warner. Em 1956 morre de câncer. Tinha 56 anos. Como estrela ele só viveu 15 anos. Quando fez O FALCÃO MALTÊS já tinha 41.
   Quando Bogart morreu, as grandes estrelas do cinema eram Marlon Brando, John Wayne, Burt Lancaster e William Holden. E nos anos 40, essas estrelas eram Gary Cooper, Cary Grant, Henry Fonda, Clark Gable e Tyrone Power.  O mito Bogart nasce após sua morte. Quando ele morreu, o que se noticiou foi a morte de um bom ator, um ator digno, durão, único, mas não um mito. Ninguém se matou por ele, ninguém desmaiou. No enterro, discreto, estavam apenas os amigos, Huston, Sinatra, Kate e Spencer Tracy. O que fez dele um mito?
   Uma corrente diz que o mito nasce com Godard e o filme ACOSSADO. Jean-Paul Belmondo idolatra Bogey no filme e depois em ALPHAVILLE temos essa idolatria repetida. Stephen discorda. Para ele o mito nasce logo em seguida a sua morte. Nasce no MIT e em Harvard, com um festival Bogart organizado para o homenagear. As sessões lotam e mais incrível, durante os filmes os estudantes repetem os diálogos, vão às sessões vestidos de Bogey e assistem os filmes dúzias de vezes. Logo universidades de todo o país fazem festivais Bogart. Nascia o mito.  Será?
   Há também uma terceira corrente, que diz que Bogart encarnou, sem querer, o "espírito do século". No rosto de Bogart se espelha o homem que viu tudo, que sofreu tudo, e que descobriu que a vida não pode e não deve ser levada a sério. Ele é o existencialista encarnado, personagem de um mundo vazio, ele pega a vida nas mãos e faz dela o que quer e o que pode fazer. Será?
   Stephen ainda fala de uma outra tese, a que fala que Bogey representa o pai que todos nós perdemos. Ele é o adulto que nos dá segurança, é o modelo viril a ser seguido.
   Penso que é tudo isso junto. Um mito não se faz com um fator. É uma soma de várias teses, de acasos e de acertos propositais. O que sabemos é que dá para se fabricar uma estrela, mas jamais um mito. O mito escapa ao controle da razão. ( E cá entre nós, Bogart era baixo, feio e careca. Se fosse para escolher um mito seria muito melhor Cooper ou mesmo Errol Flynn ). Mas ele é um mito. Crianças que nasceram no Brasil, décadas após sua morte, que foram expostas a Beatles, Hendrix e Bob Marley, a tantos outros "mitos", descobrem Bogart, que aparentemente seria tão estranho a elas como Carlos Gardel, e se descobrem adorando seus filmes e imitando seu estilo. Isso e´fantástico, isso faz de um ator um mito.
   Por fim, após a reconciliação com seu passado e com a imagem de seu pai, Stephen descobre que Humphrey Bogart era Humphrey Bogart. Que o segredo de Bogey é o fato de que por mais que se escave, o que se encontra não é surpreendente. Ele não tinha um lado gay, não era comunista ou nazista, não se drogava, não deixou filhos ilegítimos. Tinha sim, um lado muito culto que disfarçava com palavrões, mas era exatamente o Rick Blaine de Casablanca: duro, viril, desencantado, lingua solta, macho romântico, lider. E quando um ator consegue ser na vida o que ele é na tela, bem... o caminho para o mito se torna muito mais natural.
   PS: Veja qualquer filme com Bogey. Repare como quando ele entra em cena toda a sua atenção se volta para ele. Voce fica na expectativa, voce fica esperando pelo que ele vai falar e fazer. Isso faz de um ator uma estrela. E para isso não há curso que dê conta.