Imaginemos que não exista mais TV. Nem rádio, jornal e revista. Que todos os livros foram apagados e que a internet esteja extinta. Que todas as narrativas que acompanhávamos nesses meios se foram. Poderíamos sobreviver sem história nenhuma? A vida ainda seria "A Vida" se não mais fosse acompanhada como história? Se TV, rádio, imprensa e livros fossem um nada, mesmo assim continuaríamos necessitando de algum tipo de conto, de história, de narrativa. Imediatamente todos nós iríamos à fogueira para ouvir alguém contar seu conto. Provávelmente ninguém teria a habilidade de capturar nossa atenção, mas com o tempo esse hábito, mais que um hábito, essa necessidade humana voltaria a ser o que era nos tempos pré-imprensa.
Em que pese o maravilhoso e a criatividade sem fim das Mil e Uma Noites, o que esse monumento à mente do homem diz com mais força é o fascínio que aquele que sabe narrar exerce. Amamos quem conta a façanha do herói tanto quanto esse herói e nos enfeitiçamos por aquele que narra a história de um feitiço.
As Mil e Uma Noites não tem um autor. É uma compilação de histórias. De onde vieram? India, Pérsia, Iraque ou Egito? Quem sabe.... o que se pode dizer é que foram colhidas por volta do ano 900 e vieram à Europa no século XVII. Logo se fizeram febre, moda, uma descoberta e uma influência. Lê-las hoje, 2012, é acima de qualquer outra consideração, um prazer. Porque? O que há de tão prazeroso nessa montanha de lendas?
Um rei é traído por sua esposa. Desgostoso, ele resolve se vingar do gênero feminino sacrificando uma mulher por dia ( após passar a noite com ela ). Scherazade arquiteta um plano: contará a cada manhã uma história para esse nobre. Ele irá poupá-la, pois irá sempre desejar saber o que virá a seguir. Esse motivo, essa parte da obra todos conhecem. Mas a grande surpresa vem quando começamos a ler aquilo que Scherazade diz. Assim como o pobre rei, ficamos completamente nas mãos da bela mocinha. Precisamos saber onde termina aquela história, e quando ela acaba já estamos enredados na próxima.
A artimanha usada por Scherazade é brilhante. Os contos são curtos, mas eles vêem enredados em histórias dentro de histórias. Por exemplo, se um homem encontra um pássaro numa floresta e esse pássaro se revela um emir da India, saberemos aquilo que esse emir tem a dizer, e dentro do conto desse emir virá outro conto contado por um personagem desse novo conto. São como caixas dentro de caixas dentro de caixas. Uma lenda leva a uma história que contém um conto e que enseja uma anedota. Mas tudo isso seria mera técnica se não fosse o brilho fértil de suprema criatividade.
Tudo nessas narrativas são surpresas, Nada há de esperado, cada ato é uma invenção. As pessoas nunca são aquilo que parecem ser, os lugares se transformam sem parar, cada caminho leva ao horror ou ao maravilhoso. Ficamos deliciados, surpresos, admirados e ansiosos por mais e mais. Queremos que ela jamais termine sua narração. Precisamos de Scherazade.
Livros canônicos são os mais dificeis de escrever sobre. Os elogios se tornam óbvios, falar de seus possíveis defeitos se torna pedante, ou pior, ataque gratuito. Como falar algo de relevante sobre Shakespeare, Cervantes ou Dante? E o que posso dizer mais sobre As Mil e Uma Noites? É um monumento à criatividade humana, ao maravilhamento, portanto à vida. Ler esse livro não é apenas "ler um livro", é como ter nas mãos um fenômeno da natureza, uma obra que não foi feita por um homem, uma obra que, assim como o mar ou as nuvens, sempre existiu.
O que é, afinal, a principal característica da obra canônica. Ela nunca parece ser de uma época ou de um autor. Ela sempre parece ter se auto-escrito, sido parte dos homens desde quando eles se fizeram homens. É como se ela fosse o código genético do espírito, da inteligência, do saber.
E se Hamlet ou Lear são o código genético da inteligência humana, As Mil e Uma Noites são o código da criatividade, do poder da imaginação, da criação sem fim. Que seja uma mulher a depositária desse dom maravilhoso, e que ela conquiste o rei não por sua beleza, mas sim por sua fertilidade mental, muito pode ser dito. Ela vence não apenas um homem, ela vence sua morte, vence a lei e derrota a vingança e o ódio. Com a simples habilidade de imaginar, fixar e contar.
Em que pese o maravilhoso e a criatividade sem fim das Mil e Uma Noites, o que esse monumento à mente do homem diz com mais força é o fascínio que aquele que sabe narrar exerce. Amamos quem conta a façanha do herói tanto quanto esse herói e nos enfeitiçamos por aquele que narra a história de um feitiço.
As Mil e Uma Noites não tem um autor. É uma compilação de histórias. De onde vieram? India, Pérsia, Iraque ou Egito? Quem sabe.... o que se pode dizer é que foram colhidas por volta do ano 900 e vieram à Europa no século XVII. Logo se fizeram febre, moda, uma descoberta e uma influência. Lê-las hoje, 2012, é acima de qualquer outra consideração, um prazer. Porque? O que há de tão prazeroso nessa montanha de lendas?
Um rei é traído por sua esposa. Desgostoso, ele resolve se vingar do gênero feminino sacrificando uma mulher por dia ( após passar a noite com ela ). Scherazade arquiteta um plano: contará a cada manhã uma história para esse nobre. Ele irá poupá-la, pois irá sempre desejar saber o que virá a seguir. Esse motivo, essa parte da obra todos conhecem. Mas a grande surpresa vem quando começamos a ler aquilo que Scherazade diz. Assim como o pobre rei, ficamos completamente nas mãos da bela mocinha. Precisamos saber onde termina aquela história, e quando ela acaba já estamos enredados na próxima.
A artimanha usada por Scherazade é brilhante. Os contos são curtos, mas eles vêem enredados em histórias dentro de histórias. Por exemplo, se um homem encontra um pássaro numa floresta e esse pássaro se revela um emir da India, saberemos aquilo que esse emir tem a dizer, e dentro do conto desse emir virá outro conto contado por um personagem desse novo conto. São como caixas dentro de caixas dentro de caixas. Uma lenda leva a uma história que contém um conto e que enseja uma anedota. Mas tudo isso seria mera técnica se não fosse o brilho fértil de suprema criatividade.
Tudo nessas narrativas são surpresas, Nada há de esperado, cada ato é uma invenção. As pessoas nunca são aquilo que parecem ser, os lugares se transformam sem parar, cada caminho leva ao horror ou ao maravilhoso. Ficamos deliciados, surpresos, admirados e ansiosos por mais e mais. Queremos que ela jamais termine sua narração. Precisamos de Scherazade.
Livros canônicos são os mais dificeis de escrever sobre. Os elogios se tornam óbvios, falar de seus possíveis defeitos se torna pedante, ou pior, ataque gratuito. Como falar algo de relevante sobre Shakespeare, Cervantes ou Dante? E o que posso dizer mais sobre As Mil e Uma Noites? É um monumento à criatividade humana, ao maravilhamento, portanto à vida. Ler esse livro não é apenas "ler um livro", é como ter nas mãos um fenômeno da natureza, uma obra que não foi feita por um homem, uma obra que, assim como o mar ou as nuvens, sempre existiu.
O que é, afinal, a principal característica da obra canônica. Ela nunca parece ser de uma época ou de um autor. Ela sempre parece ter se auto-escrito, sido parte dos homens desde quando eles se fizeram homens. É como se ela fosse o código genético do espírito, da inteligência, do saber.
E se Hamlet ou Lear são o código genético da inteligência humana, As Mil e Uma Noites são o código da criatividade, do poder da imaginação, da criação sem fim. Que seja uma mulher a depositária desse dom maravilhoso, e que ela conquiste o rei não por sua beleza, mas sim por sua fertilidade mental, muito pode ser dito. Ela vence não apenas um homem, ela vence sua morte, vence a lei e derrota a vingança e o ódio. Com a simples habilidade de imaginar, fixar e contar.