Marco Polo está na corte de Kublai Khan. Toda a noite ele lhe descreve as cidades que fazem parte de seu infindável império. Mas também poderia ser:
Kublai Kahn percebe que ser dono de um império é lutar pelo impossível. Pois assim que um império é construído ele começa a fenecer. O Kahn pede que Polo preserve esse império, pela linguagem. E também pode ser que:
Marco Polo morre de saudades da sua cidade. E a descreve, todas as noites. Assim, cada uma das cidades seria uma visão da mesma cidade, lugar que é infindável, pois cresce na memória a medida que é desvendado. Mas além disso:
Kublai Kahn joga xadrez com Marco Polo e em cada casa do tabuleiro há uma cidade. E onde eles jogam, no palácio que fica na capital do mundo, há a pista de que esse palácio também está dentro de um tabuleiro. Ou talvez quem sabe:
Os dois sejam apenas uma palavra dita por alguém que fala sobre cidades invisíveis. Narrativas ditas dentro de outra narração. Mas:
Italo Calvino sabe que no pós-moderno, movimento dentro do qual ele é dos poucos que faz sentido, o texto se esgota dentro de si-mesmo. Não há mais enredo ( mas há ), não há mais personagens ( mas há ), o que importa é o ato de se escrever, a escrita é o foco e a vida do texto. A linha e a página são os personagens. Então, Marco fala de cidades que na verdade são palavras sobre cidades, assim como Kublai Khan é imperador de um reino de palavras.
Uma chave: Não sabemos se uma cidade existe. Tokyo existe para mim em palavras que dizem Tokyo. E mesmo que lá eu tivesse ido, tudo o que eu olhasse estaria envolto naquilo que foi me dito: Tokyo. O mundo são palavras, e mais, nós somos palavras, sem elas não existimos.
Linguistica. Italo Calvino sabia tudo sobre linguistica. Aliás, todo intelectual pós-1945 só pode ser considerado se souber linguistica. Porque nós somos uma lingua. Fala.
Então todas as cidades, tão diferentes, não são diferentes, são a mesma. Pontos de significados, narração de alguém que conta ( Marco ) para alguém que ouve ( o Khan ).
Mas será que Marco Polo não é um pensamento na mente entediada do imperador? E o Khan seria um sonho na noite de Marco Polo?
Todas as cidades têm nome de mulher. Seriam as cidades simbolos de mulheres na vida de quem delas fala? Seriam mulheres que são ruas, lixo, córregos, cemitérios, vales e colunas? Ou tudo se resume a cidades vistas no sonho de quem nada viu?
As cidades invisíveis são mais reais que as cidades habitadas. Na verdade as cidades invisíveis são melhor habitadas, porque são levadas com quem as narra. Existem onde alguém as ouve e onde alguém as faz presentes. Ou não?
Italo Calvino dizia que para a literatura sobreviver como "espécie", era preciso que ela fosse "leve, exata, rápida e múltipla". As cidades descritas por Marco Polo são assim. Novelos que se enrolam a novelos ou sedas que flutuam se misturando a sedas. Luz.
Italo Calvino é para sempre.
Kublai Kahn percebe que ser dono de um império é lutar pelo impossível. Pois assim que um império é construído ele começa a fenecer. O Kahn pede que Polo preserve esse império, pela linguagem. E também pode ser que:
Marco Polo morre de saudades da sua cidade. E a descreve, todas as noites. Assim, cada uma das cidades seria uma visão da mesma cidade, lugar que é infindável, pois cresce na memória a medida que é desvendado. Mas além disso:
Kublai Kahn joga xadrez com Marco Polo e em cada casa do tabuleiro há uma cidade. E onde eles jogam, no palácio que fica na capital do mundo, há a pista de que esse palácio também está dentro de um tabuleiro. Ou talvez quem sabe:
Os dois sejam apenas uma palavra dita por alguém que fala sobre cidades invisíveis. Narrativas ditas dentro de outra narração. Mas:
Italo Calvino sabe que no pós-moderno, movimento dentro do qual ele é dos poucos que faz sentido, o texto se esgota dentro de si-mesmo. Não há mais enredo ( mas há ), não há mais personagens ( mas há ), o que importa é o ato de se escrever, a escrita é o foco e a vida do texto. A linha e a página são os personagens. Então, Marco fala de cidades que na verdade são palavras sobre cidades, assim como Kublai Khan é imperador de um reino de palavras.
Uma chave: Não sabemos se uma cidade existe. Tokyo existe para mim em palavras que dizem Tokyo. E mesmo que lá eu tivesse ido, tudo o que eu olhasse estaria envolto naquilo que foi me dito: Tokyo. O mundo são palavras, e mais, nós somos palavras, sem elas não existimos.
Linguistica. Italo Calvino sabia tudo sobre linguistica. Aliás, todo intelectual pós-1945 só pode ser considerado se souber linguistica. Porque nós somos uma lingua. Fala.
Então todas as cidades, tão diferentes, não são diferentes, são a mesma. Pontos de significados, narração de alguém que conta ( Marco ) para alguém que ouve ( o Khan ).
Mas será que Marco Polo não é um pensamento na mente entediada do imperador? E o Khan seria um sonho na noite de Marco Polo?
Todas as cidades têm nome de mulher. Seriam as cidades simbolos de mulheres na vida de quem delas fala? Seriam mulheres que são ruas, lixo, córregos, cemitérios, vales e colunas? Ou tudo se resume a cidades vistas no sonho de quem nada viu?
As cidades invisíveis são mais reais que as cidades habitadas. Na verdade as cidades invisíveis são melhor habitadas, porque são levadas com quem as narra. Existem onde alguém as ouve e onde alguém as faz presentes. Ou não?
Italo Calvino dizia que para a literatura sobreviver como "espécie", era preciso que ela fosse "leve, exata, rápida e múltipla". As cidades descritas por Marco Polo são assim. Novelos que se enrolam a novelos ou sedas que flutuam se misturando a sedas. Luz.
Italo Calvino é para sempre.