Em 1988 causou surpresa quando Steven Spielberg se uniu a Martin Scorsese para fazer algo que nenhum cineasta fazia na época: restaurar um filme. Ainda mais que era um filme, então, recente ( 1962 ), e nada obscuro. O filme era LAWRENCE DA ARÁBIA, obra que Spielberg sempre disse ser seu mais amado filme. Vencedor de vários Oscars, sucesso de crítica e de bilheteria, Lawrence se tornou uma mania tão grande que recordo que em minha sala de quinta série, em 1975, existia um aluno chamado Laurêncio, e outro de nome Lawrence. Homenagens ao filme que a professora de português logo confirmou.
É um filme de arte. Ele tem pouquíssimos diálogos e cenas longas, sem ação. Mas os diálogos não são necessários, Lean fala com as imagens. Os cortes, poucos, chegam a ser milagrosos. Há logo no começo um corte que vai de um fósforo para um nascer do sol no deserto, que é milagroso. E a ação está presente não em tiros ou correrias, ela se faz naquilo que os personagens realizam. O filme é imagem fascinante, miragem.
E é um filme popular. Com dinheiro gasto às toneladas ( quem o produziria hoje? ). Algumas cenas têm figurantes a perder de vista. O elenco é todo estelar ( menos Peter O'Toole, desconhecido na época ), e a equipe técnica é a mais brilhante. Começando por seu diretor. David Lean é um mestre, um tipo de diretor guia.
T.E.Lawrence foi poeta, intelectual e soldado aventureiro. Acima de tudo ele foi uma figura estranha. Escreveu um livro, clássico, sobre sua experiência árabe: OS SETE PILARES DA SABEDORIA. O filme exibe sua ação em 1917, durante a guerra da Inglaterra contra a Turquia. A Turquia era a força que dominava o mundo dos árabes, e Lawrence, indo contra as ordens inglesas, se infiltra nesse mundo, se torna um árabe e tenta unir todas as tribos contra a Turquia. As tribos, hoje sabemos, jamais iriam se unir, o que causaria a construção das rivalidades entre Iran e Iraque, Siria e Jordania...
Lawrence nada tem de herói convencional. Ele tem enormes crises de depressão, se perde em delirios, é muito vaidoso, tem medo da violência, erra. Jamais o filme mostra Lawrence como um homem simpático. Ele é um enigma, e ao final se transforma num tipo de deslumbrado biruta. Amamos o filme e admiramos o herói, mas nunca o compreendemos. David Lean atinge seu objetivo: Lawrence nos absorve, não nos convence.
David Lean começou com obras-primas sobre Charles Dickens nos anos 40. Depois viveu uma fase de transição e a partir do final dos anos 50 construiu sua fama de diretor de épicos de arte. A PONTE DO RIO KWAI foi o primeiro. Depois vieram LAWRENCE DA ARÁBIA, DOUTOR JIVAGO, A FILHA DE RYAN e PASSAGEM PARA A INDIA. Aqui, como em PASSAGEM PARA A INDIA, o imperalialismo inglês é questionado. A Inglaterra ajuda a luta árabe contra os turcos para depois ser a nova metrópole. A história sempre se repete.
Existem filmes que se tornam o paradigma de seu gênero. Desse modo, toda comédia romântica sempre aspira a ser ACONTECEU NAQUELA NOITE de Capra, e todo épico quer ser LAWRENCE DA ARABIA. De GANDHI a IMPÉRIO DO SOL, de A COR PÚRPURA a O PACIENTE INGLÊS, de CORAÇÃO VALENTE a O SENHOR DOS ANÉIS, todos esses filmes procuram o sucesso popular e de crítica que a obra-prima de David Lean conseguiu. Mais que isso, todos bebem em seu estilo. Trilha sonora, imagens imensas, movimento de figurantes, metragem ( LAWRENCE tem 4 horas que passam tranquilas ), tudo nesses outros filmes lembra, em modo de fazer e de tentar fazer, este filme. É um divisor de águas. Após Lawrence, o épico deixou de ser Cecil B. de Mille, e passou a ser David Lean.
Mas acima de tudo o filme é uma experiência estética. Uma viagem mental e sensual pelas imagens do deserto. Já foi dito que Lean fez um filme sobre a areia. Sobre a luz e o calor. O que acrescento é que é também um filme sobre a arte de se fazer filmes. Filmes que dão tudo ao seu público, filmes que o entretém enquanto o enriquece. Filmes que são um evento.
Spielberg falou em entrevistas que seu sonho era fazer um filme como este. Que ver LAWRENCE em 70mm, numa tela gigantesca, mudou sua vida para sempre. Que a cena de Omar Shariff vindo ao longe, como miragem, até surgir imensa e clara em seu orgulho de nobre, foi decisiva em seu estilo. Acrescento que mesmo em tela caseira, o filme se mantém impressionante. Lean faz as mais belas imagens e consegue nos conduzir pela mão atrás do louco soldado poeta. Inglês que pensou ser árabe e que se perde no deserto de sua ilusão.
Assistir LAWRENCE DA ARABIA é um privilégio.
É um filme de arte. Ele tem pouquíssimos diálogos e cenas longas, sem ação. Mas os diálogos não são necessários, Lean fala com as imagens. Os cortes, poucos, chegam a ser milagrosos. Há logo no começo um corte que vai de um fósforo para um nascer do sol no deserto, que é milagroso. E a ação está presente não em tiros ou correrias, ela se faz naquilo que os personagens realizam. O filme é imagem fascinante, miragem.
E é um filme popular. Com dinheiro gasto às toneladas ( quem o produziria hoje? ). Algumas cenas têm figurantes a perder de vista. O elenco é todo estelar ( menos Peter O'Toole, desconhecido na época ), e a equipe técnica é a mais brilhante. Começando por seu diretor. David Lean é um mestre, um tipo de diretor guia.
T.E.Lawrence foi poeta, intelectual e soldado aventureiro. Acima de tudo ele foi uma figura estranha. Escreveu um livro, clássico, sobre sua experiência árabe: OS SETE PILARES DA SABEDORIA. O filme exibe sua ação em 1917, durante a guerra da Inglaterra contra a Turquia. A Turquia era a força que dominava o mundo dos árabes, e Lawrence, indo contra as ordens inglesas, se infiltra nesse mundo, se torna um árabe e tenta unir todas as tribos contra a Turquia. As tribos, hoje sabemos, jamais iriam se unir, o que causaria a construção das rivalidades entre Iran e Iraque, Siria e Jordania...
Lawrence nada tem de herói convencional. Ele tem enormes crises de depressão, se perde em delirios, é muito vaidoso, tem medo da violência, erra. Jamais o filme mostra Lawrence como um homem simpático. Ele é um enigma, e ao final se transforma num tipo de deslumbrado biruta. Amamos o filme e admiramos o herói, mas nunca o compreendemos. David Lean atinge seu objetivo: Lawrence nos absorve, não nos convence.
David Lean começou com obras-primas sobre Charles Dickens nos anos 40. Depois viveu uma fase de transição e a partir do final dos anos 50 construiu sua fama de diretor de épicos de arte. A PONTE DO RIO KWAI foi o primeiro. Depois vieram LAWRENCE DA ARÁBIA, DOUTOR JIVAGO, A FILHA DE RYAN e PASSAGEM PARA A INDIA. Aqui, como em PASSAGEM PARA A INDIA, o imperalialismo inglês é questionado. A Inglaterra ajuda a luta árabe contra os turcos para depois ser a nova metrópole. A história sempre se repete.
Existem filmes que se tornam o paradigma de seu gênero. Desse modo, toda comédia romântica sempre aspira a ser ACONTECEU NAQUELA NOITE de Capra, e todo épico quer ser LAWRENCE DA ARABIA. De GANDHI a IMPÉRIO DO SOL, de A COR PÚRPURA a O PACIENTE INGLÊS, de CORAÇÃO VALENTE a O SENHOR DOS ANÉIS, todos esses filmes procuram o sucesso popular e de crítica que a obra-prima de David Lean conseguiu. Mais que isso, todos bebem em seu estilo. Trilha sonora, imagens imensas, movimento de figurantes, metragem ( LAWRENCE tem 4 horas que passam tranquilas ), tudo nesses outros filmes lembra, em modo de fazer e de tentar fazer, este filme. É um divisor de águas. Após Lawrence, o épico deixou de ser Cecil B. de Mille, e passou a ser David Lean.
Mas acima de tudo o filme é uma experiência estética. Uma viagem mental e sensual pelas imagens do deserto. Já foi dito que Lean fez um filme sobre a areia. Sobre a luz e o calor. O que acrescento é que é também um filme sobre a arte de se fazer filmes. Filmes que dão tudo ao seu público, filmes que o entretém enquanto o enriquece. Filmes que são um evento.
Spielberg falou em entrevistas que seu sonho era fazer um filme como este. Que ver LAWRENCE em 70mm, numa tela gigantesca, mudou sua vida para sempre. Que a cena de Omar Shariff vindo ao longe, como miragem, até surgir imensa e clara em seu orgulho de nobre, foi decisiva em seu estilo. Acrescento que mesmo em tela caseira, o filme se mantém impressionante. Lean faz as mais belas imagens e consegue nos conduzir pela mão atrás do louco soldado poeta. Inglês que pensou ser árabe e que se perde no deserto de sua ilusão.
Assistir LAWRENCE DA ARABIA é um privilégio.