Em 1966 François Truffaut, fã supremo de Hitch, disse que no futuro existiriam mais livros sobre Hitchcock que sobre Proust. Essa Truffaut acertou. Em qualquer livraria, em qualquer país do ocidente, sempre há um recente livro sobre Hitchcock na prateleira.
Hitchcock adorava comida. Carne ( carneiro, frango, porco, boi ) e acompanhava tudo com batatas, pão e litros de sorvete. Conhecia vinhos e champagnes e também tinha afeto especial por charutos, cães e o time do West Ham. O cinema era para ele um prazer enquanto o podia fazer em casa, ou seja, na fase das ideias e da escrita. Dirigir nunca era um prazer. Daí que ele trazia tudo pronto para os sets. As cenas detalhadas, explicadas em folhas de papel. Na hora de rodar a equipe já sabia o que fazer, o que dava a Hitch a chance de dormir na cadeira ( é verdade, ele dormia durante as filmagens ) ou ir ler no camarim. Não que ele fosse desleixado. Ao contrário. Ele era daquele tipo de diretor que escolhia as roupas dos atores, o penteado das atrizes, a cor dos carros, o tom do verde das árvores. E é por isso que rodar o filme lhe era enfadonho. A obra já estava pronta, rodar era só fixar a coisa.
Quando ligado, ele era um adolescente nos sets. Pregava peças ( portas que deveriam abrir que eram pregadas, poltronas que caíam ao chão, barulhos esquisitos ), e vivia falando palavrões pesados e contando piadas sujas. Provocava as atrizes, falava obscenidades em seus ouvidos e chegava a colocar enchimento na calça só pra ver a reação delas. Em tudo era como um colegial chato. O gorducho da última carteira.
Não ligava pra sexo. Dizia que só o fizera uma vez na vida, e que fora o bastante. Era casado e essa única vez lhe dera a filha Pat. E os filmes são provas de sua vida "sexual". As mulheres são sempre mistérios ambulantes, os homens são seres curiosos sobre essa "alma" feminina. Hitch era duro com elas, ríspido, mal educado, e como todo homem sem sexo, imaginava que todas eram promíscuas. Na cabeça de Alfred Hitchcock, o mundo era um bordel no qual ele não fora admitido.
Seus atores lhe eram indiferentes. Só notava sua presença quando eram ruins ou davam problemas. Se não, os deixava em paz. Não gostava de dirigir atores, apenas isso. Um filme para ele era feito de movimento de câmera, de cortes e de roteiro. O resto era blá blá blá. Mas com as atrizes ele se ligava. Normalmente se irritava com elas. Ou se apaixonava, sempre de forma insistente. E platônica. Ingrid Bergman foi uma grande paixão e foi a mulher que ele mais respeitou. Ela, rainha do cinema, soube levá-lo para a amizade. Grace Kelly foi outra paixão. E houve Tippi Hedren no fim, que foi aquela que mais sofreu com ele ( com Tippi, Hitchcock foi muito mais "direto". Houve assédio, um tipo de assédio que hoje seria caso de policia ).
Ele fazia com elas aquilo que James Stewart em Vertigo faz, as recriava. Sonhava em criar uma mulher, fazê-la ser aquilo que ele desejasse. É um sonho adolescente. E é nesse conflito entre um modo infantil de ver o sexo, e uma maneira realista de ver a culpa e o crime, que Hitchcock construiu sua obra. Seus filmes têem o conflito básico de nosso tempo. A fantasia infantil versus a realidade crua e violenta.
James Stewart era em seus filmes aquilo que ele era. Cary Grant aquilo que ele gostaria de ser.
Spoto escreve de uma maneira simples e às vezes se torna "fofoqueiro" demais. Ataca o homem Hitchcock sem dó, mas defende apaixonado seus filmes. Pinta-o como sádico. Nem tanto. Ele era um gorducho inglês, recém saído do colégio jesuíta, um homem vitoriano, que se viu em meio a liberalidade do cinema, em meio ao sexo e às drogas. Como ele reagia? Com piadinhas bobas e agressividade vazia. E resolvendo seu interior com o "suspense". Suspense que ele criou ( não existiam filmes de suspense antes dele. Existiam filmes de crime ou de horror, mas não de suspense ), e em que ele podia brincar com seus medos e suas dúvidas.
Não é um grande livro sobre cinema, mas é um divertido texto sobre a Hollywood em sua golden age. Leia.
Hitchcock adorava comida. Carne ( carneiro, frango, porco, boi ) e acompanhava tudo com batatas, pão e litros de sorvete. Conhecia vinhos e champagnes e também tinha afeto especial por charutos, cães e o time do West Ham. O cinema era para ele um prazer enquanto o podia fazer em casa, ou seja, na fase das ideias e da escrita. Dirigir nunca era um prazer. Daí que ele trazia tudo pronto para os sets. As cenas detalhadas, explicadas em folhas de papel. Na hora de rodar a equipe já sabia o que fazer, o que dava a Hitch a chance de dormir na cadeira ( é verdade, ele dormia durante as filmagens ) ou ir ler no camarim. Não que ele fosse desleixado. Ao contrário. Ele era daquele tipo de diretor que escolhia as roupas dos atores, o penteado das atrizes, a cor dos carros, o tom do verde das árvores. E é por isso que rodar o filme lhe era enfadonho. A obra já estava pronta, rodar era só fixar a coisa.
Quando ligado, ele era um adolescente nos sets. Pregava peças ( portas que deveriam abrir que eram pregadas, poltronas que caíam ao chão, barulhos esquisitos ), e vivia falando palavrões pesados e contando piadas sujas. Provocava as atrizes, falava obscenidades em seus ouvidos e chegava a colocar enchimento na calça só pra ver a reação delas. Em tudo era como um colegial chato. O gorducho da última carteira.
Não ligava pra sexo. Dizia que só o fizera uma vez na vida, e que fora o bastante. Era casado e essa única vez lhe dera a filha Pat. E os filmes são provas de sua vida "sexual". As mulheres são sempre mistérios ambulantes, os homens são seres curiosos sobre essa "alma" feminina. Hitch era duro com elas, ríspido, mal educado, e como todo homem sem sexo, imaginava que todas eram promíscuas. Na cabeça de Alfred Hitchcock, o mundo era um bordel no qual ele não fora admitido.
Seus atores lhe eram indiferentes. Só notava sua presença quando eram ruins ou davam problemas. Se não, os deixava em paz. Não gostava de dirigir atores, apenas isso. Um filme para ele era feito de movimento de câmera, de cortes e de roteiro. O resto era blá blá blá. Mas com as atrizes ele se ligava. Normalmente se irritava com elas. Ou se apaixonava, sempre de forma insistente. E platônica. Ingrid Bergman foi uma grande paixão e foi a mulher que ele mais respeitou. Ela, rainha do cinema, soube levá-lo para a amizade. Grace Kelly foi outra paixão. E houve Tippi Hedren no fim, que foi aquela que mais sofreu com ele ( com Tippi, Hitchcock foi muito mais "direto". Houve assédio, um tipo de assédio que hoje seria caso de policia ).
Ele fazia com elas aquilo que James Stewart em Vertigo faz, as recriava. Sonhava em criar uma mulher, fazê-la ser aquilo que ele desejasse. É um sonho adolescente. E é nesse conflito entre um modo infantil de ver o sexo, e uma maneira realista de ver a culpa e o crime, que Hitchcock construiu sua obra. Seus filmes têem o conflito básico de nosso tempo. A fantasia infantil versus a realidade crua e violenta.
James Stewart era em seus filmes aquilo que ele era. Cary Grant aquilo que ele gostaria de ser.
Spoto escreve de uma maneira simples e às vezes se torna "fofoqueiro" demais. Ataca o homem Hitchcock sem dó, mas defende apaixonado seus filmes. Pinta-o como sádico. Nem tanto. Ele era um gorducho inglês, recém saído do colégio jesuíta, um homem vitoriano, que se viu em meio a liberalidade do cinema, em meio ao sexo e às drogas. Como ele reagia? Com piadinhas bobas e agressividade vazia. E resolvendo seu interior com o "suspense". Suspense que ele criou ( não existiam filmes de suspense antes dele. Existiam filmes de crime ou de horror, mas não de suspense ), e em que ele podia brincar com seus medos e suas dúvidas.
Não é um grande livro sobre cinema, mas é um divertido texto sobre a Hollywood em sua golden age. Leia.