PARA ENTENDER A INGLATERRA ( E ELA NÃO É A IRLANDA OU A ESCÓCIA ), THE KINKS

   Nada há de lamuriento na Inglaterra. Se voce acha os ingleses melancólicos, voce nada entendeu do país. Ingleses desde John Locke e Henry Fielding são "superiores", se é que voce me entende. Eles não se permitem chorar em público ou gargalhar. E se voce notar, mesmo esses cockneys em filmes de crimes, em meio a palavrões e sangue, jamais perdem o distanciamento. Portanto, nunca procure em ingleses a emoção lacrimosa que existe nos latinos, a febre revolucionária que há nos franceses, ou o idealismo romântico de um alemão. Eles gostam de fantasmas, e tudo acaba em wit, humor, se é que voce me entende.
   Desse modo, eles jamais poderiam ter um bardo emocional como Van Morrison, um carola como Bono Vox, ou um herói politico como Bob Dylan. Seus punks eram distanciados, os Ramones nunca seriam possíveis na Inglaterra. Coisa da educação? Um clima de Noel Coward e Evelyn Waugh? Ou excesso de fog e de chá?
   Por mais que eles amem a música negra americana, em seu sangue flui o music-hall, aquelas canções de rádio tipo anos 20, canções que estão presentes em MacCartney, Lennon, Jagger e todo o resto. Canções que são a alma de Ray Davies, esse arquiteto da canção-rock-made in England. E os Kinks são Davies. E TODO o rock da ilha é KINKS.
   Eles deixaram de vender muito nos EUA quando os hippies tomaram conta. E creia, até 1966 eles vendiam em todo o mundo. Mas nada menos Kinks que solos de meia hora e odes à marijuana. O mundo deles era bem outro. Eles eram vitorianos. Mas nunca vitorianos que amam Vitória, mas sim aquele tipo de vitoriano crítico, tipo Wells, Huxley ou Hardy. Em seu rock não há estrada, carro veloz ou loura peituda; eles falam de chá, seguidores de modas, decadência do Império, costumes arcaicos, tradição e familias congeladas; tudo isso em tom de humor, de esperteza, dúbios, sempre dúbios; pois voce nunca sabe se eles lamentam a morte do Império ou se gozam seu final.
   Nenhuma banda até hoje é mais inglesa que eles. De Jam a Oasis, de Blur a Elvis Costello, tudo de mais tipicamente inglês é cem por cento Kinks. Suas canções devem ser escutadas na sala, à janela, num fim de tarde. Raramente irão falar de amor, de desejo ou de depressão. Eles se interessam pela sociedade, falam do mundo da rua, do jornal, da história. E quando são tristes, o que choram é o fim de uma era, seja a era do cinema de Hollywood, seja a era dos jogos de cricket aos domingos.
   Quem quiser começar a ouvir os Kinks ( é impossível passar pelo rock inglês sem conhecer Ray Davies ) comece pelo disco The Village Green Society, disco de 1968. Não sei se é o melhor, mas é o mais típico. Se voce ama rock ouça. Mais que isso, se voce ama música, escute.