CONVERSAS COM PICASSO- BRASSAI

   Entre os anos de 1939/1944, Brassai, fotógrafo e escritor de origem húngara, travou amizade e conviveu com Pablo Picasso na Paris da segunda-guerra. E travar contato com Pablo era viver com as dezenas de pessoas que gravitavam a seu redor. Celebridade desde os anos 10, as casas onde Picasso vivia eram invadidas diariamente por amigos, mas principalmente por turistas, compradores de arte e jovens artistas em busca de direção. O livro, descrição do cotidiano do gênio espanhol, consegue fazer algo muito raro em livros desse tipo: faz com que nos sintamos em companhia de Picasso. E estar com ele é acima de tudo um prazer, uma inspiração.
   Henri Matisse está no livro. Matisse, verdadeiro negativo de Picasso e seu único rival de fato e de direito.
Mas vemos por lá também Sartre e Simone, Camus, Miró. Jean Cocteau com sua elegãncia fulgurante e Jean Marais. Ficamos sabendo de fofocas dos surrealistas, de Breton e Dali, de Jacques Prevert. Conversas com todos eles e ainda com Henry Miller, Man Ray e Malraux. Mas é Pablo quem mais nos fascina.
   Picasso não gosta de artistas que posam como "artistas". Ele gosta de quem faz coisas. Ama toureiros, poetas, garçons, cães, gatos, cabras, e principalmente mulheres. Sentimos nele seu segredo revelado, Picasso ama a vida com paixão amorosa e com rancor furioso. Ele é vivo, muito vivo. Jamais está só, embora tente. Há sempre gente anunciando visita, americanos ricos, jornalistas, autores. Picasso, em mundo que ainda tinha vivos Heminguay, Mann, Huxley e Eliot; Stravinsky, Chagall, Hesse e Faulkner, é o artista central do planeta, o gênio entre gigantes. Mas ele não faz pose. Se veste sempre mal ( ternos amassados, bonés sujos, e principalmente shorts sem camisa, o torso nú ), suas casas ( imensos apartamentos e palácios no campo e praia ) são vazios. Poucos móveis, muito espaço. Salas cheias de pó, de caixas de fósforo, de maços de cigarros, de telas e tintas, de esculturas e tralhas pegas na rua. Picasso vasculha o lixo, atrás de coisas interessantes: uma velha caixa de madeira, um caco de espelho, um brinquedo quebrado. Ele dá vida à esses objetos, faz de um pedaço de papelão, uma muralha chinesa; de uma garrafa, um ser de mitologia. Picasso cria sem parar, usa as mãos, esculpe, gruda coisas, pinta, e olha tudo com seus imensos olhos de louco. Nada joga fora, nada lhe é indiferente. Vê em cada coisa uma possibilidade de criação. E faz.
  Sua esposa vive em casa vizinha, casa bem decorada, luxuosa, rica. Pablo mora no caos, bagunça que lhe inspira, caos onde ele dá vida. O livro, cheio de fotos, é delicioso, instigante e dá desejo. De criar, de fazer, de olhar.
  Quem já viveu em casa grande sabe o que irei falar.
  É preciso espaço para ser solto. Paredes onde eu esparramava tinta e portas que eu quebrava ( com arte ). Para criar é preciso sujeira, pó, caos, é necessário poder mudar tudo toda hora, revirar, buscar um carburador e o pintar de dourado, quebrar um relógio de parede e fazer dele um robot, usar um velho rádio como palácio de indios apaches. Dormir no chão e sonhar com a chuva caindo dentro. Nunca fui artista, nunca tive talento algum, mas eu me inspirava então, naquela enorme casa de caos ( e de cães ) e me soltava com tintas, com martelos, com o corpo.
  Este livro me lembrou essa fase de minha vida. E ainda volto a viver lá !!!! Volto sim !