AMOR.

   Conversando eu construo pensamentos, e nunca ao contrário. Conversar é para mim um campo de provas, jogo palavras ao ar e depois é que as penso. Sou um escrevinhador, é aqui, no texto, que penso. Falar é ensaio de escrita. Admiro muito quem consegue falar como escreve, quem pensa e fala. Eu falo pensando e só muito depois chego ao que sinto.
   Numa dessas conversas falei uma bobagem que muito me envergonha. Porque o que disse vai contra tudo o que sou. Então porque "menti"? Não digo que menti propositalmente, digo que experimentei aquela posição e percebi depois sua falsidade.
   Conversava sobre cães. E ao tentar explicar meu amor por eles caí naquela baboseira futil de dizer que amar os bichos é amor de quem não pode, quer ou consegue amar gente. Pasmem! Esse é exatamente o pensamento superficial de quem jamais viveu esse amor e portanto não pode saber o que ele seja, apenas imaginá-lo. E é um pensamento facilmente desmentido, haja visto que ao me apaixonar por uma mulher ( e namorar ), esse amor aos cães aumenta e não diminui. Me incomoda essa minha fraqueza, essa mania que tenho de sempre tentar agradar quem está a meu lado, de falar o que não causa atrito.
   Pois a verdade é que o amor aos bichos está ligado a capacidade de amar. Voce tem potencialmente o dom de amar uma mulher, sua familia, um livro, uma praia ou um cão. E um amor não nega o outro e nem é seu simulacro. Seria uma pobreza espiritual gigantesca essa de se propor que todo amor é amor sexual, e que fora disso tudo é uma sombra. Quem assim pensa seria na verdade como alguém incapaz de amar, medroso, e que consola sua incapacidade crendo na incapacidade dos outros. É como se ele dissesse: Já que não tenho um dedo, creio que todos não o têm. E se o tiverem são tolos que imaginam tê-lo.
  Amor é simpatia. E simpatia, em seu caráter original, é a capacidade de sentir como o outro, de entrar no outro e ver a vida como ele a percebe. É se compadecer e repartir. Quem conhece o amor sente essa simpatia por seu filho, por sua mãe. Mas também a sente pelo doente terminal, pelo pássaro de asa ferida e pelo cachorro bobo no quintal. Amar um bicho é então não um consolo de amor, mas pelo contrário, um transbordamento de afeto, uma potência de amar, um nobre desejo de dar sem esperar recebimento, uma doação. Amar, seja coisa, gente ou animal, é sempre "amar", e é amando que aprendemos a amar aquilo que amamos. Quem ama apenas seus semelhantes, seus iguais, seus "companheiros humanos", na verdade ama parcialmente, ama egoísticamente, ama com prevenção.
   É isso que queria ter dito e agora digo.
  E digo-o bem.