OS MOEDEIROS FALSOS- ANDRÉ GIDE

Dizem que Aldous Huxley leu este livro antes de escrever CONTRAPONTO. Estranha sina a de Gide. Até os anos 70 ele era tão grande/famoso quanto Mann ou Joyce. Agora, em 2011, há quem goste de livros e não o conheça ( como desconhece Malraux, Claudel ou Colette ). Porque? Eu não sei.
Os Moedeiros é seu grande livro e vale dizer que em 1948 Gide ganharia seu Nobel. O livro é de 1926.... O que havia com a década de 20? Se pensarmos que entre 1921 e 1929 foram lançados os melhores livros de Heminguay, Fitzgerald, Faulkner, Joyce, Eliot, Lorca, Yeats, DH Lawrence, Dos Passos, Stein, Cocteau e ainda as pinturas de Picasso e Matisse, Chagall e Miró.... Que década! E ainda Bunuel, Lang, Murnau, Buster Keaton, Chaplin, Jean Renoir e René Clair... e o jazz, e Cole Porter, Irving Berlin, os Gershwin... Paul Klee e Kandinski.... Murilo Mendes e Oswald, mais Mario de Andrade e Fernando Pessoa... Como seria viver em mundo com tanto talento vivo e produzindo? Thomas Mann e Hesse, Proust e Valéry, Ezra Pound e Kafka. Bem...
Mas o livro....
Gide é moderno. Seu livro não tem enredo. Tem vários personagens que vivem. Gide os segue e cria algo de muito dificil de se fazer ( e o faz bem ) livro dentro do livro: um dos personagens escreve o livro que lemos. Enquanto a história corre, Edouard descreve o livro que prepara, o livro se chama OS MOEDEIROS FALSOS. Assim, enquanto lemos o livro, um dos personagens o comenta. E nos fala aquilo que dá certo, o que foi um erro, que personagens merecem mais espaço, quais devem sumir. Essa técnica, que poderia ser pedante ou hermética, funciona por ser natural em Gide. Não nos chóca, nos surpreende.
A base do livro é Edouard, um escritor que se apaixona por seu sobrinho, um adolescente brilhante. Há ainda Laura, amiga de Edouard que fica grávida de Vincent apesar de casada com outro. Vincent é irmão de Bernard, adolescente amigo de Olivier ( o sobrinho de Edouard ). Bernard foge de casa e prega a anarquia. Mas ao se apaixonar por Laura muda de opinião e seu crescimento espiritual é a melhor coisa do livro. Ele percebe que sua raiva era uma convenção, que ser rebelde pode ser um hábito, uma moda. Sua mudança é maravilhosamente bem escrita. Muitos outros personagens habitam o livro: condes decadentes e sórdidos, escritores vaidosos, putaines bem sucedidas, crianças desequilibradas... O mundo gay é mostrado sem bandeirices ou exageros, há inveja, há paixão, há timidez. André Gide foi militante, seus livros eram abertas confissões sem culpa ( e não vamos esquecer que André Gide, que morreu em 1951, ainda teve tempo de conhecer e ser amigo de Oscar Wilde, o que mostra como Wilde poderia ter vivido mais e o quanto deveria ter produzido ). Há um fato no livro que irritará meus amigos psicólogos. Gide mostra o quanto a psicanálise tem de "otimismo cristão". A fé na compreensão, na ajuda, no descobrimento do bem, na confissão, no "bom espírito". Ele diz que o trabalho desses profissionais é útil como consolo a almas atormentadas, mas não diferente de qualquer outra fé. Se o paciente não possuir a fé cega em seu guia, adeus ciência.
Mas não pense que Gide é um anti-freudiano. Ele usa essa dúvida em relação a tudo. Inclusive as paixões. O quanto não escolhemos aquilo que gostamos, aquilo que desejamos, e mais, o quanto nossos sofrimentos não são papéis que escolhemos seguir. Gide nos joga essa dúvida no meio de seu livro, para ao final demonstrar que pode não ser assim. Talvez não tenhamos poder algum sobre sentimentos, vida, destino, gostos, afetos e repulsões. A vida como escolha de explicações, sempre falhas, consolos, falsas teorias. O que sabemos?
Ah.... esses franceses! É o mesmo tipo de escrita de Camus, Malraux, Sartre ou Lolita Pille. Uma montanha de pensamentos, tudo analisado a exaustão, derrotas e medos, dúvidas, e aquele enorme EU no centro de tudo. Esse tipo de narrativa não conta uma história, ela analisa e reanalisa os personagens, os disseca, os explica, e os faz perder. Me cansa. Nos cansa. É febril.
André Gide pode um dia voltar a moda. Georges Bernanos voltou. E Bernanos e bem mais árduo. Ler Gide não nos faz felizes. Mas pode abrir algumas portas. Vá lá....