MUSICA

Até o inicio do século XIX música não era mais do que a TV é hoje. Toda música. De Monteverdi a Bach, passando por Mozart e Haendel, a música era considerada apenas uma arte utilitária, servia para missas, festas, jantares e para o amor. Nada mais que isso. A literatura e a pintura eram as artes nobres, verdadeiras, e a arquitetura vinha em seguida.
Isso começa a mudar em fins do século XVIII, com a criação da sinfonia, por Haydn. A marca da ambição mundana, do não-utilitarismo começa a aparecer. Seria preciso um deus para dar o passo decisivo. Beethoven.
Beethoven vem como titã. Ele brada sua fé em si-mesmo. A partir dali, o artista produz arte não mais para Deus ou para um rei, ele produz para seu próprio deleite. Mais: ele necessita fazer o que faz. Seu ser clama por expressão. Digamos a verdade: Beethoven, sózinho, mudou o mundo.
Ele cobra para ser ouvido, e ao mesmo tempo, ele tem desprezo pelos burgueses que o aclamam. A música passa a significar tudo: alma, ritmo da vida, sentimento abstrato, potência, mistério. Beethoven não conta histórias, não traduz funções, faz música, mais que isso: faz arte. Arte.
Sua revolução foi tão gigantesca, que no final do seu século, toda arte passa a ser considerada um desejo de ser música. Dessa forma, a poesia vira música, a prosa tentativa de fazer música em narrativa, a pintura um ritmo em pinceladas, a escultura harmonia musical em formas sólidas. Os artistas centrais do mundo, que antes de Beethoven eram pintores como Michelangelo ou Velazquez e escritores como Cervantes e Montaigne, passam a ser compositores. Wagner é o artista central do século e os outros se chamam Brahms, Verdi e Mahler. Com Beethoven arte se torna sinônimo de música. E creia, não era assim.
Seria como se hoje, em 2011, surgisse alguém que transformasse a dança ou o teatro em arte central. Mais que isso, fizesse com que a música, a literatura, se tornassem menores perante a dança ou o teatro.
A TV pensou ( e só pensou ) em ocupar esse espaço. As HQs ambicionaram isso. Por toda a década de 60 havia quem pensasse que o cinema era o centro de todas as artes. Mas não. Música, literatura e artes plásticas continuam em suas posições privilegiadas desde 1800. Arte verdadeira é livro, partitura e quadro. A TV, a HQ e o cinema não criaram seu Beethoven.
Porém, falemos a verdade: a música também não conseguiu criar outro Beethoven....
Dar a uma arte modesta estatuto de "A maior das artes", e fazer com que nessa esteira não só o futuro da música, mas a própria história musical fosse reavaliada ( Bach e Mozart só se tornam Bach e Mozart à luz de Beethoven, após a instituição da música como arte central ). Um deus que abriu caminho para seus descendentes, mas que também iluminou seus antepassados. Eis o gênio de Bonn.
Ps: meu compositor favorito é Mozart. E os outros são Debussy e Ravel. Beethoven, que foi o maior, é contrário ao meu temperamento.