OS ANÉIS DE SATURNO- W.G.SEBALD

Se a modernidade/contemporaniedade se mostra via fragmentação ( e também por um sentido que nunca se apreende ), o alemão Sebald é um hiper-radical moderno. Fragmento e sentido escapável, é isso que define seu texto. Seus livros parecem começar pelo meio e não têm "um fim". Histórias são desvendadas dentro de outras histórias, tudo é biográfico, tudo é mundo real. E nada, absolutamente nada parece fazer sentido. A falta de rumo e de objetivo é a única realidade.
Enquanto Sebald vaga pelo leste da Inglaterra, e fala percebendo e testemunhando, da terrível decadencia que se faz em toda parte ( antigas mansões abandonadas, monumentos partidos, praias desertas, bosques doentios, animais em fuga, pessoas flácidas ), ele nos conta fatos que remetem a lembranças e recordam cenas que trazem em sí novos assuntos.
A vida de Joseph Conrad na Polonia, a fuga para a Inglaterra, a vida como marinheiro e por fim sua carreira como um dos maiores autores "ingleses" do século. Conrad esteve no Congo em 1890, pensou ter visto lá todo o inferno possível, e foge em crise para a Europa. Essa história faz com que Sebald fale do livro Coração das Trevas e da exploração do Congo pelo rei belga, Leopoldo. Toda a riquesa da Europa como riquesa da escravidão, do suor, da morte e do furto. Quinhentos mil negros congoleses morrendo por ano, na exploração escrava dos minérios africanos. Negros trabalhando em minas, 18 horas por dia, caindo ao chão e sendo substituidos por mais negros. Hecatombe pior que o holocausto, que o gulag soviético. E isso traz a Sebald a história de Roger Casement ( pois é, ele é o personagem do novo livro de Vargas Llosa ), um irlandês que denunciou o reino belga e que de herói britânico ( paladino do bom mocismo inglês ) passou a pária e foi executado. Isso por ser homossexual e por apoiar a revolução irlandesa.
E Sebald segue incansável. Descreve as faixas de areia onde castelos desapareceram no mar, fala da feiura da Bélgica e do desconforto na Holanda. Fala de Chateaubriand, a familia nobre, que vivia em palácio do tamanho de um bairro e que fugiu da revolução. Na Inglaterra ele se apaixona e não se pode casar por ter esposa na França. Passa a escrever um longo diário que lhe dará fama universal. E tudo ele coloca nesse diário: botânica, poesia, ciência, história, guerras, filosofia... Vida longa, vida escrita.
Já ao quase fim do livro, Sebald fala da criação de bichos da seda e da deterioração das árvores na Europa. O modo assustador como todos os bosques estão expostos aos incêndios, árvores atacadas por vírus, espécies desaparecendo. Amanhecer sem pássaros. Séculos, milênios de devastação. Solo completamente esgotado. Sebald fala do Brasil, país que vive agora a devastação que a Europa viveu no século XVIII. ( No caso europeu a devastação do século XVIII foi a mais recente e derradeira ).
Sebald não enrola. Para ele estamos no começo do apodrecimento. Somos sombras de tempo que está encerrado. Vivemos em sala de espera, com belas distrações, mas É uma sala de espera. O sentido se partiu, a desilusão foi vivida e como acontece na vida particular de cada um de nós, quando se perde a confiança não se pode mais revivê-la ( apenas como farsa ).
Longe de ser a obra-prima que é AUSTERLITZ, este é um terrível legado de um dos autores que mais interessam.