ALÉM DA VIDA- CLINT EASTWOOD
Alguns criticos, envergonhados pelo fato de terem apreciado um filme new-age, distorceram tudo e falaram que este filme Não defende abertamente a existência de mistérios pós-morte. Viram outro filme, ou como diz o roteiro, o preconceito os tornou irracionalmente cegos. A vidência de Matt Damon jamais é posta em dúvida. Ele "adivinha" coisas sobre o além. Clint Eastwood surpreende novamente. A mente desse cowboy esconde muito mais coisas do que pensamos. O filme, com tsunami impressionante, é todo sobre a dor. Dor que leva a solidão absoluta. Dor que se avizinha da morte. As cenas de Damon jantando só em sua cozinha são de doer o coração. Mas há também a dor muda do menino que perde sua metade e da jornalista que perde toda sua certeza. A vida é uma perda e é aí que reside toda a grandeza do mestre Eastwood. Pois toda a sua obra sempre não falou de outro tema: a perda. E agora digamos a verdade: Dirty Harry já era um tira vivendo a perda ( da fé na lei ) e a melancolia, então, acompanha seus filmes ( Bronco Billy, Sobre Meninos e Lobos, Um Mundo Perfeito, Bird... todos quase insuportávelmente tristes ). Que grande diretor esse americano da California se tornou. Surgindo como ator em 1955 ( na TV ) se tornando star em 1965 ( na Italia com Sergio Leone ), voltando a América e criando ( com Don Siegel ) Harry o sujo. Começa a dirigir em 1970, sempre ouvindo gozações dos criticos americanos ( e sempre respeitado pelos franceses ), até que em 1987 dá um nó na cabeça de todos com o artistico Bird. Tolice dos compatriotas: Clint sempre foi bom diretor, Josey Wales de 1976 já era uma obra de mestre. Em 1990 é incensado em Cannes com Coração de Caçador e em 1992 vem Os Imperdoáveis. Mas ele continua, agora oitentão, a seguir inquieto, insatisfeito, inesgotável. Não existe em toda a história do cinema tal exemplo de vitalidade. Neste filme, como em todos os outros, se percebe a influência de Hawks no modo de contar uma história sem enfeitar nada, é o estilo de direção que não chama a atenção sobre si. O diretor dirige em função do roteiro, nos faz esquecer que existe uma coisa chamada direção. Os cinéfilos novatos, aqueles que se impressionam com câmeras rodantes e efeitos de estilo oco, pensarão em Clint como um cara "pouco criativo". Necas! Como Hawks e Ford, ele é seu próprio estilo. Dirigir sem enganar é a maior das artes. E neste filme isso fica evidente. É um filme sem humor, triste, árido, plasticamente franciscano e mesmo assim eu fiquei mais de duas horas hipnotizado. Sem rodopios, sem gritos, sem apelações, Eastwood me segura acordado, ligado e comovido. Um mestre. Matt Damon, verdade seja dita, está envelhecendo bem. Neste filme e no infinitamente pior True Grit, ele se mostra o melhor ator de sua geração. Seu rosto, doído e contrito, é máscara de dor. A cena em que ele diz a verdade à sua quase nova namorada é maravilhosa. Não ter sido indicado atesta a miopia da academia. Mas, como em todo filme de Eastwood, todo o elenco brilha. E é bacana ver a sumida Marthe Keller em pequena ponta e Derek Jacobi como ele mesmo. O personagem se deita e escuta toda noite a narração de David Copperfield. Depois ele falará para um tipo de atual David Copperfield a mensagem de seu irmão morto. E tudo o que esse orfão do século XXI consegue falar é: Eu me sinto só. Um muito grande filme. Se Kurosawa é o diretor favorito de Clint Eastwood ( e é ), ele se torna cada vez mais digno de seu mestre. Além da Vida sobreviverá.