O MELHOR ESCRITOR INGLÊS FOI POLONÊS
Bangcoc, Malacca, Bornéo, Saigon, Manilla, Hong Kong, Tahiti... esse é o mundo do polonês que se fez o melhor ( e mais influente e moderno ) escritor inglês. Ele nasceu com o nome de Josef Korniewicz e seus pais foram perseguidos pelas autoridades russas ( lutavam pela independencia da Polonia ), mortos os pais, foi criado por um tio que o colocou nas melhores escolas. Mas tudo mudou novamente, quando aos 17 anos ele se empregou na marinha mercante inglesa. Foram dez anos no mar, dez anos no oriente, entre ilhas perdidas e colonialismo ( 1900, tempo em que o mundo ainda tinha recantos misteriosos ). Apenas aos 40 anos, já na Inglaterra e em terra firme, rebatizado como Joseph Conrad, ele passaria a ser um escritor profissional. E estranhamente, apesar de polaco, se tornaria um mestre do idioma. Escrever nunca seria um prazer para ele, escrevia para fixar suas lembranças, e apesar de ser defendido por Henry James e HG Wells ( e depois amado por Heminguay ) os criticos de então o consideravam um mero autor de aventuras, um escritor superficial. Preferiam Thomas Hardy ou Virginia Wolff. O tempo sempre faz justiça na arte. Ao fim da vida, autor de montanhas de livros, Conrad se torna laureado e popular. E como sempre, honrado, jamais aceitou qualquer homenagem. Não esqueceu as ofensas. O mundo que ele retrata é maravilhoso ( e sempre trágico ). Europeus fracassados em sonhos de riquesa e poder, perdidos em ilhas abafadas e cheias de mosquitos, cheios de doenças e bebida, incapazes de fugir pois amam aquilo que os mata. Europeus inadaptados ao mundo mestiço dos trópicos, homens honrados que sempre afundam em medo e desencanto. Conrad é raro, é dos poucos autores que misturam aventura e arte em doses iguais. Um tipo de Akira Kurosawa das palavras. Tudo nele tem ação, as coisas acontecem no mundo real, mas ao mesmo tempo, as coisas acontecem dentro dos personagens, existencialmente. E que personagens! São trágicos grandiosos, se movem em ódios e paixões mesquinhas, são covardes e falsos, e às vezes muito nobres. Acima de tudo, são como eu e voce poderíamos ser se tivéssemos hoje o espaço para o ser. Pois naquele mar estagnado e naquelas ilhas mortas, eles podem se fazer inteiros, mesmo que essa inteireza seja podre e fétida. Li quatro livros de Conrad e agora estou embrenhado no quinto. Lord Jim foi o primeiro. A saga do homem covarde que tenta por toda a vida se redimir. Depois vieram Nostromo, O Coração das Trevas ( que originou o Apocalypse de Coppolla ), O Agente Secreto, que foi filmado por Hitchcock.... Todos são brilhantes, viciantes, ágeis e genialmente bem escritos. Ele mescla a ação com observações filosóficas profundas, surpreendentes, cínicas e poéticas. Mestre. Estranho país a Inglaterra. A partir de 1880, e apesar de vários bons escritores, seus gênios são todos estrangeiros. Irlandeses ( Yeats, Shaw, Joyce, Wilde, Synge ), americanos ( Henry James, Eliot ) e até um polonês, Joseph Conrad. Nasce dele toda a linha aventureira/existencial que tanto marcaria o século XX, de Heminguay a Malraux. Mas acima de qualquer critica, ler Conrad é uma diversão. Há coisa melhor que isso? Ler alta arte com um alto grau de prazer juvenil? É claro que toda arte genial dá prazer. Mas esse prazer pode ser árido, ou até mesmo custoso. Em Conrad não. Como, volto a dizer, no cinema de Kurosawa, temos aquele tipo de diversão de adolescência, direta e simples, mas misturada com a profundidade escura e terrível de Dostoievski ou do cinema de Dreyer. Esse é o ideal de todo escritor moderno. Quantos chegaram lá?