COMO VER "A LUZ" SENDO ATEU
Dentro dessa influência oriental, dessa revalorização do reprimido ( nosso imenso lastro pagão ), quero falar sobre o zero. Invenção hindú ( apesar do orientalizado Pitágoras ter tocado no problema ), o zero é um problema que afeta toda a ciência, incluindo a linguistica e a psicologia. Pois o zero existe, é 0, mas ao mesmo tempo não existe, é um vazio, um nada, uma ausência. Percebe o tamanho do problema? Como pode um símbolo ser um ente não existente? E como pode esse nada afetar o 1? Somente o pensamento abstrato superior poderia conceber esse aparente e ilógico absurdo. A ausência significando algo. Dito isso. Me é impossível crer em algo que meus sentidos não podem provar. Apesar do zero. Apesar de eu obter ontem a informação de que a ciência moderna desistiu de saber os porques e as origens, se focalizando agora apenas nos para que. A ciência entregou os pontos, nada pode ser explicado após a terceira questão ( a maçã cai por causa da gravidade, a gravidade existe por causa da massa, mas porque a massa atrai? O universo se expande por causa do big bang, fora do universo existe a não matéria, mas de onde surgiu o não vazio? ). Não posso crer porque nasci e estou imerso no pensamento de meia dúzia de gregos que criaram o único mundo que me é familiar. Portanto, por mais que eu ache sedutora a idéia de anjos ou de Buda, são idéias para mim inalcansáveis. Mas existem ateus e ateus. Explico. O ateu fechado em si, normalmente seco e sem criatividade, pensa o mundo como ação e reação, numa lógica que depende muito mais de fé do que ele imagina. Ele deseja crer na lógica, na razão, e jamais percebe que essa forma de pensar fecha portas e possibilidades sem nada dar em troca. A vida se torna quimica. Para o outro tipo de ateu, no qual me incluo, a vida também é quimica, mas não só quimica. A lógica existe em problemas matemáticos e a razão é uma parte do todo, nunca o todo. É um ateísmo que reconhece o limite do saber, que aceita o mistério e a transcendencia ( não como fé, mas sim como abertura de novas possibilidades de pensar e sentir ). Quando Jung fala de espirito é disso que ele fala: tudo o que há no ser fora da razão, do consciente, do ego. Nada tem a ver com Deus ou deuses. Muito tem a ver com o tal vazio oriental. ( Para Buda quando morremos, se tivermos sorte, morremos como ser individual, continuamos como centelha divina. Ora, se meu ego morre não mais sou ). Olhar para fora e reconhecer que quase nada sabemos, olhar para dentro e perceber que quase nada percebemos, saber que da vida não somos senhores e que nossa vontade é minúscula perante o que significa viver. Não creio em Deus ou milagres, mas sei o imenso valor ( central e definidor ) da experiência religiosa. O ateu que fecha os olhos para esse fato ( ele estranhamente e de forma medieval crê que se não pensar nela a religião deixará de ter valor!!!! ), se priva de uma fatia imensa da vida, joga fora a chance de enriquecimento da alma e amputa toda uma possibilidade de criação e de crescimento. Torna-se avestruz pensando ser um leão. Ainda acrescento que nossa herança ( genética? ) pagã está viva em todos nós. Foram milhares de anos de animismo, de comunhão com a natureza e apenas 3000 anos de ciência. Como asfixiar essa verdade? O homem que usava amuletos e falava com o sol ainda vive em mim. Poesia, lendas, música, dramas e sonhos tentam nos lembrar disso. Não consigo crer em Deus ou na vida pós-morte, mas não posso roubar de mim mesmo essa herança ( parte que justifica e dá sentido a vida ). O resto é brincadeira de cientistas.