MUNDO HOJE : AS CORREÇÕES, JOHNATHAN FRAZEN

Estou lendo AS CORREÇÕES de Johnathan Frazen. Infelizmente são apenas 600 páginas. Queria que fossem 1.000. Um prazer ler um livro escrito hoje ( é desta década ) de enorme sucesso ( o autor é considerado o melhor escritor americano jovem ), que não tem um só personagem que seja o alter-ego do autor. Nada de primeira pessoa, nada de confessional. Com Frazen estamos de volta ao mundo que nos deu Stendhal e Dickens, o mundo onde se fertilizam as páginas em branco. Frazen cria gente, cria diálogos, cria cenários e jamais tenta ser "original". Johnathan Frazen sabe escrever e escreve com imenso prazer, portanto, não precisa ser esquisito.
Seu livro vicia. E, obra-prima que é, mostra um painel apurado sobre o mundo de hoje. É indispensável para antropólogos, psicólogos e vários ologos mais. Exibe as feridas, não suaviza, e pasmem, diverte muito. ( Jamais sendo engraçadinho ).
Um casal de velhos do meio-oeste americano. Ele começa a ficar senil. Foi sempre um mandão bem sucedido. Ela ainda tenta acreditar que tudo vai bem. É uma hipócrita. Têm três filhos. A mais nova é uma chef de cuisine de sucesso que trabalha como uma escrava. Trintona bonita, racional, seca, secretamente insegura, divorciada. O filho do meio é um fracasso. Falha em vários projetos, ainda tenta parecer adolescente ( tem mais de trinta ) e se envolve com máfia da Lituânia. Seu maior problema é só pensar em sexo. E o mais velho, muito bem de vida, três filhos e linda esposa, mas que se afunda na sensação de que "algo que eu devia perceber não é percebido". Ele vê a vida como quimica, e está sempre pensando no equilibrio de seu cérebro. Tem pavor da depressão. Caroline, sua esposa, tem certeza de ser feliz. Excelente mãe, lê toneladas de livros de Phds em psicologia comportamental, e por ter tido sucesso na análise, vomita saúde mental para todos. Para ela, livros e filmes só se forem úteis.
O que esses livros dizem? Que sofrimento não é útil e que portanto sofrer é ser egoísta. Que todo adulto deve se guiar pelos jovens, pois eles são o futuro e o futuro será reino de felicidade. Que as crianças sabem tudo e têm muito a nos ensinar, pois elas já nascem fazendo parte desse maravilhoso mundo da informação.
Frazen nunca comenta nada. Ele narra. Confia em seus leitores. Não nos dirige, espera que tiremos nossas conclusões. Ainda estou na página 200, mas preciso dizer que se voce tiver de ler só um livro dos anos 2000 é este. ( Sebald é de 1995 ). E me faz pensar....
Há algo de Saul Bellow em sua abrangência. Mas a geração de Bellow era a geração da ansiedade. Eles queriam demais, e sofriam por não conseguir. Aqui estamos na geração da depressão. O prazer de hoje perde todo seu valor amanhã. Mas o buraco mostrado no livro é mais profundo.
Todos eles negam seus pais. Tudo o que eles desejam é ser o mais diferente possível daquilo que eles foram. Então evitam igreja, vizinhos, parentes, empregos comuns, casamentos longos, machismo, autoritarismo. Isso é consciente e é positivo. O problema é que não existe nada para se colocar no lugar. O que vemos é uma geração de homens com raiva das mulheres por se sentirem ameaçados pela força delas, e uma geração de mulheres rancorosas por acharem que os homens são inseguros. Não existe a menor comunicação entre eles. A vida de casado é mostrada como uma série de provas e provações e a vida de solteiro como uma longa fissura por sexo e companhia.
Os filhos, com idades entre 8 e 13 anos, são manobráveis. Um deles tem como grande objetivo montar um sistema de vigia em toda a casa. Câmeras na cozinha, salas, quartos.... E o pai só tem uma preocupação: estarei deprimido?
Mas a coisa vai mais fundo.
O mundo da ciência tem se tornado cada vez mais perfeito. Tudo é funcional, limpo, exato, sem falhas. Mas nós somos sujos, emotivos, inexatos, cheios de falhas e imprevisíveis. O problema geral é : TEMOS DE SER COMO MÁQUINAS: Perfeitos. Recauchutar, trocar, reciclar, realinhar, dar um brilho, acoplar mais potência...em nós mesmos!!!! Temos de FUNCIONAR. Daí, sabendo que nos tornamos supérfluos, tentamos a todo custo ser como um carro zero, um PC de último tipo: inteligentes, cheios de brilho, novos e úteis. Nesse mundo, todos os livros de auto-ajuda tentam fazer com que a pessoa funcione bem. Se adapte ao mecanismo geral. Mas veja:
Se as máquinas trabalham melhor, lutam melhor, planejam melhor e são mais rápidas e limpas, qual nosso papel na vida? Nos restou apenas um- fazer o dinheiro rodar. Máquinas ainda não compram. O homem saudável hoje é o consumidor. O deprimido deixa de comprar ( deixava, hoje compra remédios ), deixa de viajar, deixa de ir a baladas, deixa de fazer a única coisa que justifica a vida nestes nossos dias : SE DIVERTIR.
Porque se na geração dos pais dos personagens, tudo se justificava na tradição, na "boa" familia; hoje a única razão de viver é a diversão. Rir, estar sempre em movimento, fazer sem refletir e consumir muito e alegremente. Ser feliz confunde-se com se divertir ( tanto que muitos não sabem mais a diferença. É como se felicidade e diversão tivessem se tornado sinônimos ).
O livro exibe tudo isso sem perder a linha. Nada de panfletagem, nada de comentários do autor, nada de teses. A história corre, os diálogos se vão, a vida é exibida sem grandes exageros, e nós vamos, com horror e com satisfação, vendo a vida como ela ocorre agora.
Acreditem em mim, este livro é obrigatório.
Quando o terminar de ler conto mais.....