PAT GARRET AND BILLY THE KID - SAM PECKINPAH

A violência aqui, neste desencantado poema, vem sem que a ação a prepare. E então, ao contrário dos filmes de tiros e correrias de hoje; quando uma pessoa é aqui baleada, nosso choque é bem maior. As pessoas morrem com dor, com gemidos, com sofrimento.
Já na sua primeira cena há crueldade real : galos são mortos a tiros. Ao mesmo tempo nos é apresentado Billy : um sujo, hedonista, sexy e insensível herói. Sim, um bandido sádico como Billy é o herói do filme. Porque Peckinpah vê nele um homem livre, e sendo livre, um homem de verdade, completo. A sociedade funcional, o sistema capitalista ainda não capturou Billy, e portanto, ele deve ser sacrificado. O filme conta a história desse sacrifício.
Quem o persegue é Pat Garret, bandido que virou xerife, homem rebelde que agora é servidor da sociedade. Pat e Billy foram amigos, e o filme mostra sem pudor o que há de apaixonado nos dois. Em Pat há tragédia. Tudo em que ele toca se faz sangue. Tudo o que ele vê é dor.
James Coburn faz Pat Garret. Ninguém poderia fazer melhor. Seu rosto, mapa viril de tensão e de força, leva-nos pelas poeirentas planícies daquele fim de mundo. Kris Kristofferson é Billy. Há muito de juvenil e de impulso puro em todo seu gestual. Ele ama a vida, ama as mulheres, os cavalos e as armas, e ele mata sem qualquer receio.
Mas o filme ainda tem Bob Dylan. É dele a trilha sonora e ele atua no papel de um atirador de facas. Dylan não interpreta, está apenas por lá. Nos surpreende a fragilidade do corpo de Bob Dylan. É para este filme que ele compôs Knocking on Heavens Door. Ela toca só uma e breve vez. É na morte do personagem de Chill Wills. Ele leva um tiro na barriga e se esconde para morrer em paz. As mortes neste filme são assim. A cena é comovente. E cruel.
Sam Peckinpah tinha sangue de índio americano. Ele era um desses homens livres e sempre contra as regras de civilidade. Todos os seus filmes tiveram problemas com os produtores, e este foi fiasco de bilheteria e de crítica. Os críticos de 1973 cobravam sensibilidade deste trabalho, cobravam consciência politica, cobravam mais arte. Tivesse sido lançado agora seria melhor entendido e faria imenso sucesso. Levaria Oscar, prêmio ao qual ele jamais foi indicado.
Sam Peckinpah bebeu até morrer. E morreu em 1983, aos 53. Nem 50% do seu potencial foi usado. Neste filme se bebe muito. Sempre tem alguém enchendo um copo. E todas as falhas que percebemos ( é um filme muito imperfeito ) são as mancadas de mente inebriada pelo alcóol e pela ira. Pois Pat não se cansa de dizer no filme : "- São novos tempos...e eu quero estar vivo. Pessoas como nós ou se adaptam ou morrem..."
Billy não se adapta. É morto, em cena belíssima, por Pat Garret. Esse final de filme, silencioso. é dos mais belos e tristes de todo o cinema já feito. Nos deixa com nó na garganta. Dói.
Trata-se de obra magistral de um dos gigantes do cinema de macho ( talvez seu melhor nome ). Sam Peckinpah é poeta da violência e do desencanto. Este filme é como um adeus, uma noite em deserto gelado, o fim de uma raça esquecida.
Sam Peckinpah não é para gente fraca.