Não é pouca coisa.
Num tempo de doidos chapados, eles eram sóbrios.
Em era de solos de guitarra e gritos revoltosos, eles propunham a delicada atitude.
Quando todos eram terminais desesperados, eles trilhavam a esperança da amizade.
E em terra de artistas egocêntricos, tudo o que eles faziam era comunitário.
Não é pouco.
Como diz a Rolling Stone, salvaram almas perdidas na confusão pós-68.
E mais.
Mudaram os Beatles, que após ouvir este disco deixaram de lado o psicodelismo e passaram a fazer canções ( há uma famosa foto em que os fab four os homenageiam ). Desfizeram o Cream, fazendo com que Clapton jogasse fora seus solos e passasse a tentar cantar.
E deram novo significado a todo o rock americano, ao lembrar aos ídolos doidos que tudo na música americana é folclore, raiz, verdade.
Com este disco eles abrem caminho para Leonard Cohen, Neil Young, Van Morrison e Gram Parsons.
Não é pouca coisa eles terem sido a primeira banda a ser capa do Times.
E terem sido os primeiros a ser homenageados em show ( Dylan, Young, Morrison, Muddy Waters, Clapton, Joni Mitchell ) quando a moda de homenagens ainda não existia. Foram filmados por Scorsese e deixaram a banda de lado, se aposentaram, ao sentir que a inspiração se fora ( como Bergman faria no cinema ). Optaram por não explorar seus fãs.
Tudo isso é The Band. Robbie, que toca guitarra como quem toca a mulher amada, com maciez, tato, carinho; Rick e seu baixo sacolejante, Garth enfurnado em efeitos de teclado, Richard com os pianos de buteco e Levon e sua batera de ritmo estradeiro. Todos liderando, todos nos vocais, ninguém como frontman.
Neste seu primeiro disco, gravado na casa de fazenda Big Pink, onde Dylan se recuperava de acidente, eles são mais pó e solidão em grupo que nunca. Eles são o melhor equivalente que o rock já produziu dos filmes de John Ford e dos poemas de Whitman. Tudo é estrada, tudo é casa em comunhão, tudo é pra valer.
Quando a primeira faixa entra, Tears of Rage, voce já sente: nada aqui é comum, mas tudo lhe será familiar. Poucos discos têm uma faixa 1 tão pouco pop, tão pra baixo, tão íntima. Eles choram uma derrota, mas no resto do disco veremos que essa derrota não os destruiu. Faixa a faixa, são onze, eles vão se erguendo, se aprumando, reconstituindo o mito do herói, e dando injeção de ânimo ao combalido rocknroll.
Seu som, escutado hoje não te impressionará por sua originalidade. Foi tão copiado desde então ( e ainda é ) que parece apenas mais uma banda fazendo outra vez esse tipo de som pop. Mas na época de Beatles, Doors e Zappa, em que todo disco era psicodélico, eles foram os criadores desse som. Adulto, masculino e sensível sem ser frouxo.
O que irá te impressionar agora é a beleza das melodias, a nobreza das vozes e a sinceridade de um grupo que transpira verdade em cada segundo de som.
Quando a música Long Black Veil irrompe ( faixa 7 ) voce desaba. Nada em rock soa tão verdadeiro. E trágico.
Ouvir este disco é então ser testemunha de uma cerimônia onde a fé é na força do homem, na inspiração da raiz e na aventura da estrada. Vindos do Canadá ao mundo, The Band será sempre a lembrança do grau máximo de dignidade em música. Pois talvez existam bandas melhores (quais? ) mas nenhuma é tão amiga.