FRITZ LANG, O MAIS RANZINZA DOS DIRETORES

Monóculo, longa piteira, sotaque carregado, fama de ser cruel com seus atores. O estereótipo do "diretor alemão" é em Lang a verdade. Ele é conhecido por ter sido antipático, egocêntrico e tirânico. Mas também é famoso pelos filmes que fez. Vários históricos, muitos eternamente atuais e alguns perfeitos.
Mas ele raramente é o diretor favorito de alguém. Porque Fritz Lang não tem cenas redentoras, ele nada possui de adocicado, a poesia fácil e identificável é desconhecida em seus filmes. O que vemos em todos eles ( mesmo nos ruins ) é a marcha do destino, o caminhar de homens e mulheres ao desastre. O final, mesmo quando os bons vencem, é sempre amargo. Em Lang as vitórias são temporárias, o fracasso impera e o que se paga pela breve alegria ilusória é coisa muito inflacionada.
Lang se torna famoso na Alemanha Nazista. Seus filmes mudos têm apenas Murnau como rival. E estamos falando de tempo em que Lubistch, Leni, Ulmer, Pabst, Wiener por lá trabalhavam. METRÓPOLIS cria o que até hoje se conhece como sci-fi e é seu filme alemão mais conhecido ( mas não o melhor ). DER MUEDE TOD, gótico e assombroso, pautado pelo lúgubre, poderia ser esse melhor, mas há ainda DR. MABUSE. Então ele filma OS NIBELUNGOS e lança, já no sonoro, M-O VAMPIRO DE DUSSELDORF, uma absoluta obra-prima. Nessa história sobre um assassino de crianças que não consegue controlar sua tara, vemos Peter Lorre num dos mais dilacerantes papéis já vistos. M permanece como filme à prova de tempo.
Goebbels chama Lang para dirigir todo o cinema nazi. Lang faz as malas e foge. Na França faz o belo LILLION, um filme à Clair.
Nos EUA ele se faz rico, famoso ( muuuuuito famoso ) e detestado por colegas e atores. Sua imagem é péssima, seus filmes, excelentes. FÚRIA é o primeiro. Um filme que combate o linchamento. Com sombras expressionistas, ele é uma prova de força, de caráter, de um diretor que já estreava em seu novo país se sentindo em casa.
Vem a primeira obra-prima americana : VIVE-SE SÓ UMA VEZ. Henry Fonda como um desempregado que cai no crime. Nunca o cinema mostrou o crime como destino de forma tão cruel. Fonda, em comovente atuação, não consegue escapar de sua sina. Uma porrada no estômago é este filme. Vêm então dois westerns. Se não são dos melhores do gênero, provam, para orgulho de Fritz, que um europeu pode entender de cowboys. Quando começa a guerra ( a segunda ), Lang lança filmes anti-germânicos. OS CARRASCOS TAMBÉM MORREM é perfeito. Filme de extrema tensão, lembra Hitchcock ( muitos comparam os dois. Seus filmes jamais se parecem, o inglês tem humor, mas sua filosofia é a mesma ).
UM RETRATO DE MULHER e ALMAS PERVERSAS são dois exemplos de direção e de elenco. Os dois mostram a ruína de homens que se envolvem com mulheres erradas. Ambos arrebentam os nervos de quem os vê. Mas há um detalhe: Lang jamais deixa de entreter. Seus filmes são pura arte européia, têm vigor existencial, criatividade, arrojo, mas nunca perdem de vista a diversão. São pop, sempre para todos os tipos de público. O cinema compartilhado ainda não havia sido criado.
O SEGREDO DA PORTA CERRADA e MALDIÇÃO são dois filmes baratos. E mesmo assim, são dois exemplos de clima. Sombras e trevas.
Vêm os anos cinquenta e nele encontraremos uma obra-prima do filme noir: OS CORRUPTOS, um policial pessimista, onde podemos ver a completa ruína de um homem bem intensionado. Tudo é crueldade, tudo é decepção e desconfiança nesse assombroso clássico.
MOONFLEET mostrava um novo e último Lang. Filme de aventura, um tipo de cinema juvenil com tintas obscuras. Seus últimos filmes são alemães, sci-fi e filmes à James Bond. O círculo se completava.
Todo o pessoal da Nouvelle-Vague soube lhe fazer justiça. Godard chegou a o escalar como ator. Viveu mais treze anos em aposentadoria, morrendo rico e velho, cheio de fama e de louvor. Mas jamais foi indicado a Oscar, jamais venceu Cannes e isso mostra muito do que significa o cinema.
Quando um cinéfilo pensa em Fritz Lang ele não pensa num herói ( como Ford ou Hawks ) não pensa num poeta ( como De Sica ou Clair ) e nem num grande contador de sagas ( Kurosawa ou Kubrick ), não tem a criatividade de Godard ou de Hitchcock, e nem é belo como Murnau ou Ophuls. Ele é ácido, frio, sombrio, sem humor, e ao mesmo tempo é sedutor, hipnotizante e jamais chato ou pedante. Fritz Lang é o cinema em seu lado menos hipócrita, menos condescendente.
Lang era feito de aço.