OS PAPÉIS DE ASPERN- HENRY JAMES- O DESEJO E A DERROTA

Henry James é genial pelo modo "como"escreve, e não "sobre" o que escreve. Por isso ele conquista àqueles que já descobriram os prazeres do estilo e sabem que enredo é coisa banal. Engenho é o que faz de um autor algo precioso.
Nesta novela (130 páginas), James conta a história de uma crítico literário americano. Apaixonado por romântico poeta falecido, ele descobre que uma de suas amantes ainda vive, em Veneza, e melhor, ela possui cartas do tal poeta ( o poeta é uma mistura de Byron e Shelley ). O livro narra a estratégia desse crítico para se apossar das cartas. Pois a velha senhora, já enferma, pensa em as queimar, e a filha dessa antiga amante, submissa a mãe, nada pode fazer.
O livro se passa em tempo em que ainda se valorizava o privado. É fato que preciosas cartas de poetas, dramaturgos ou políticos dos séculos xvii e xviii jamais vieram a ser publicadas. Os donos de tais cartas morriam com elas, sem aceitar dinheiro ou suborno para as ceder. James, escrevendo em fins do século xix, já vive a era de diários e cartas expostas.
Mas James vai mais longe. A novela acaba se tornando testemunho sobre um vilão ( o crítico é um vilão ) que nada tem de conscientemente ruim. Ele deseja algo a que dá muito valor ( as cartas ) por boa razão ( ele ama a poesia e o autor ). Mas tudo o que ele faz, sem o saber e sem planejar, é destrutivo. Ele desperta amor na solteirona, filha da antiga amante do poeta. Toca-a profundamente, e não tem a mínima consciência disso.
As duas mulheres nada têm de "poético". A velha pensa apenas em dinheiro, em dar segurança a filha. E a tal "moça" é uma passiva e raquítica senhora de meia-idade que vê no crítico a salvação de sua vida.
Ele a ilude, sem perceber, e quase rouba as cartas, sem que se considere um gatuno. Quando toma consciência do amor da solteirona fica assombrado. Acredita nada ter feito para a seduzir. Mas nós sabemos que não foi bem assim.
Henry James, que foi irmão de famoso filósofo e psicólogo americano ( William James, criador do pragmatismo ) penetra com soberba facilidade nos pensamentos e nas contradições dos personagens. Eles pensam uma coisa e fazem outra, sentem de um modo e comunicam de outro. Não são donos de seus desejos, de seu futuro e nem sequer sabem o que fizeram. Vitorianos pretensamente racionais, fazem tudo ao acaso, ao sabor do improviso. Controle só existe na arte, da qual James é mestre maior.
Ao lado de Proust e Mann, Tolstoi e Joyce, narrador supremo dos últimos 150 anos. Mestre.