BANDE À PART- GODARD E ANNA KARINA

Ainda é mais moderno que os muderninhos. Basta dizer que Tarantino não se cansa de o homenagear. Gus Van Sant, Soderbergh (às vezes ), Reittman.
Primeiro: dois caras andam de carro falando abobrinhas. Eles planejam roubo. Para isso irão envolver uma muito tola menina. Mas os três são de uma idiotice absurda. O filme não tem "inteligência". Tudo que é chavão em filmes de roubo : planificação, esperteza, charme e elegância; é aqui subvertido.
Segundo: Surge a menina. Linda como Anna Karina é. A mais bela. Mas é uma tolinha ingênua que se deixa levar. Seu caso de amor com um dos ladrões é o contrário de todo caso de amor em cinema: é estúpido e sem poesia.
Terceiro: A casa da família rica onde ela trabalha. É mal decorada e feia. O filme é cheio de cenários sujos. O carro dos bandidos nada tem de cool. Mas atenção: essa inversão de expectativas não é uma sátira. Nem é a tal "vida real". É apenas a carinhosa brincadeira de um cineasta de gênio que ama o cinema. E a vida. Em Jean-Luc a vida é sempre valorizada.
Quarto: Cena em bar. Falta assunto e eles fazem um minuto de silêncio. O filme começa a virar anarquia. Uma dança dos 3 ( que foi homenageada voce sabe onde ). O avesso de uma cena de musical: não tem ensaio, ninguém sabe dançar, não há cenário. Mas é um momento dos mais "cinematográficos" da arte visual. Aqui se inventa o video-clip bacaninha. A saia xadrez de Anna, com meias pretas, é tão atual quanto é todo mangá.
Quinto: O crime é o contrário de todo crime em filme. Começa pelo cão amigo. Tudo dá certo e tudo é errado. Nada de suspense, nada de ação, nada de nervosismo. Uma violência sem crueldade. O fim é um fim sem final.
Para se amar Godard é preciso amar o cinema. Ele não fala nada que não seja filme. Tudo em sua obra é homenagem a cinemas e a películas. Cada fotograma é exibição de talento, esbanjamento de um dom. Ele tem prazer em ir sempre contra a expectativa, ele brinca, sorri, e nos convida a não levar o filme a sério. Ele quer que amemos os personagens e o ato de filmar.
E é isso que sinto e vejo em seus filmes: sinto o prazer que houve em o fazer, e vejo Godard detrás da cãmera, brincando de filmar e soltando idéias ( novas então ) atrás de idéias.
Ele foi grande enquanto teve Anna a seu lado. Quando ela parte, seus filmes se tornam sérios demais. Perde o humor.
Se vão os closes no rosto de Anna Karina, os imensos olhos que sabem se mover e olhar para o lado, se vão as piscadelas que ela dá à câmera, se vai o corpo ágil e flexível de Anna, a boca que sorrí delicadamente. A mais bela.
Este é o mais árido dos oito filmes iniciais de Godard, mas talvez seja o mais genial. É um caderno de rabiscos de um grande artista. Coisa assim, jamais.