KIERKEGAARD, UM LONGO CAMINHO

A popularidade de Nietzsche explica a falta de ibope de Soren Kierkegaard.
O alemão nos dá o consolo de podermos culpar gerações remotas por nossa falta de potência ou de valor. O dinamarquês não. Cabe a nós mesmos, de agora e para frente, construir uma história. Ninguém tem culpa por nossos erros, apenas aquele que erra e vive agora é o responsável.
Kierkegaard escreve sobre as quatro etapas do desenvolvimento humano:
Se sua vida tiver valor ( e se uma sociedade souber crescer ) a primeira fase é a da beleza. Voce abre os olhos e começa a observar a vida. Percebendo a riqueza vital, dando valor ao equilíbrio da existência do planeta, voce passa a se guiar pelo belo, pelo que é agradável, por aquilo que seduz o olhar. Se voce estiver no caminho da evolução, esse senso de beleza o levará a valorizar a harmonia e a paz; se voce estiver no retrocesso, voce valorizará apenas a beleza das aparências, o brilho fugaz.
Subindo o caminho voce atinge via beleza a etapa da moralidade.
Aqui o bem e o certo passam a ser o valor maior. Voce passa a não admitir a injustiça, a ingratidão, o mal e a violência. Todo ato passa a ser sentido em sua consequencia e a beleza torna-se tudo o que é moralmente justo.
Nessa etapa, se o caminho for de subida, essa moral visa o outro. Cada ato é diálogo com o todo. Tudo possui o peso de sua história. Voce indaga e se pergunta: para que e o que será. Mas se voce estiver em descida essa moralidade se torna mero formalismo. A boa moral passa a ser a moral de uma casta e o que é bom torna-se bom apenas para sua casta e para seu momento.
Devemos aqui observar que essa teoria de Kierkegaard se aplica a perfeição à história atual. Temos uma imensidão de nações que vivem fora de qualquer evolução. Sem nenhum senso estético e muito menos de moral. Depois existem algumas nações que vivem esse período de "beleza". Países que prezam sua aparência turística, mas que acima disso, tentam preservar o que os faz "belos". Penso em Noruega, Suécia, Nova Zelândia, como nações que talvez estejam na etapa moral. Pensam na segurança e no bem-estar de seus filhos, mas acima de tudo, implantaram um senso de justiça que se tornou parte de seu modo de ser.
As duas etapas seguintes são inalcançáveis ( por países ) em nosso tempo.
A terceira é a etapa do riso. E aí a coisa começa a se refinar.
Falando de cinema, não seria o riso da comédia ( mesmo que genial ). Seria o riso felliniano, o riso de quem viu o feio e o belo ( e conseguiu fazer o belo vencer ), viu o amoral e conseguiu ainda crer na moral. É o riso de quem conhece a vida e aprendeu que tudo é absurdo ( se visto em escala humana ) e magnífico ( visto em escala sobre-humana ). É a etapa do riso calmo, amoroso, quente, convidativo.
Uma equação: belo`+ moral = alegria.
Isso se estivermos em subida. Descendo esse riso se faz escárnio, deboche, desespero. Deixa de ser riso vital e se torna riso de morte. Frio, é uma risada caricatural, uma risada que desvaloriza a vida, que pisa no outro, que se nutre de feiúra e de amoralidade. É 99% do humor que se faz hoje.
Passada a fase do riso nasce a serenidade e com ela o período da sacralidade.
Compreende-se então que tudo é sagrado, que em cada coisa e em cada dia existe algo de grandioso, de imutável e de misterioso. Nessa fase não se pergunta mais, a intuição fala e ela sabe antes de criar a dúvida. A pessoa não mais é ator na vida, ela se vê como parte do autor que a escreve. Há nesse momento a compreensão.
Mas, se o movimento for de descida, essa sacralização torna-se igreja ou seita. O homem passa a adorar "coisas sagradas" e instaura-se o fetichismo.
É preciso agora dizer o que significa estar subindo ou descendo.
Todos nós nos deparamos com momentos na vida que nos lembram dessas etapas de evolução. Mas somos livres para escolher. Ou penetramos na fase da beleza e subimos com ela rumo a moralidade, ou entramos num tipo de transe voyeur e descemos cada vez mais baixo. Desse modo, o homem que atinge a quarta fase ( do sagrado ) mas cai em dogmas ou imagens mágicas, despenca para a fase do riso, risada que será de agressão e de descaso com tudo.
Soren Kierkegaard pensava sempre em moralidade e em responsabilidade. Se Nietzsche, quando lido superficialmente, parece nos liberar da moral e do bem, o dinamarquês nos recorda todo o tempo que somos seres morais e que o que nos justifica é o bem comum. Se o século XX tivesse sido mais feliz, teria sido tempo de Kierkegaard e de Karl Jaspers e não época de Nietzsche e de Karl Marx.