RIO BRAVO-ONDE COMEÇA O INFERNO- HOWARD HAWKS

Filme favorito de Inácio Araújo e um dos top ten de Tarantino.
Hawks amava as pessoas. Sua câmera observa-as, deixa-as respirar. O tema central do filme é trapaceado : esse tema é apenas uma desculpa para se mostrar pessoas interagindo. E de tudo que apaixona Hawks, nada o interessa mais que a amizade masculina. É o mestre da amizade.
O tema deste western é : bandido está preso. Um xerife é ajudado por velho aleijado e alcoólatra. A missão : manter o bandido preso. A dificuldade : o irmão do bandido manda dúzias de pistoleiros para o libertar.
Mas o filme não é sobre essa aventura. É sobre a relação entre o xerife e o alcoólatra. Uma velha amizade em crise. Esse é o coração do filme. E é isso que interessa Hawks.
A câmera nunca tem pressa. Muita gente reclama que um dos maiores problemas dos filmes de hoje é que eles têm um só objetivo e ignoram todo o resto. Empobrecem a vida. Explico :
O excelente filme de Kathryn Bigelow fala de um grupo que desarma bombas no Iraque. E mesmo sendo um filme acima da média, ele trata sómente disso. A linha de narração jamais se desvia. Ele promete falar disso, e apenas disso ele fala. 99 por cento dos filmes hoje, mesmo os ditos de arte, são assim. Não existe dispersão, divagação, mudança de tom.
Hawks divaga. Súbito o filme é sobre alcoolismo. Sobre o flerte de Wayne e Angie Dickinson. Sobre um jovem cowboy. Comédia tola sobre velhote esquentado. E ainda envereda por diálogos relaxados sobre coisa nenhuma. ( Não é a toa que Tarantino o adora ). E o mais importante é : o filme nunca tem pressa, se demora, observa, deixa os atores atuarem.
John Wayne faz o seu melhor. Símbolo de virilidade. Feio, corajoso, nada vaidoso. Parece que todo lugar é seu lugar, mas ao mesmo tempo ele é profundamente individualista. Um pai. Dean Martin, que rouba o filme, está soberbo como o alcoólatra. Tudo nele é patético. A relação entre os dois é seca, cheia de nuances, absorvente. O filme é todo dos atores. Nada de paisagens, nada de truques de câmera ( é incrível como Hawks nunca faz questão de se exibir ).
E há o eterno romance de Howard Hawks. Seus filmes sempre trazem o encontro de um solteiro-durão e de uma mulher-aventureira. É ela quem seduz. É ela quem tem a coragem de tentar. E ele se deixa seduzir. Hawks não tem pudor nenhum em se auto-plagiar. ´Vários de seus filmes repetem cenas de sedução. Inclusive no nome da mulher : Feathers.
Howard Hawks foi piloto de automobilismo e um apaixonado por aventuras. Se tornou cineasta por acidente ( todos os grandes que fundaram o cinema americano se fizeram cineastas sem querer. Arrumaram algum emprego no meio e foram construindo uma carreira sem levar o cinema muito à sério. Isso se traduz em filmes leves, nada duros, easy going.... ) Ele dirigia sem pressão, falava baixo no set, jamais brigava, fazia piadas.
É o diretor que irá menos impressionar àqueles que começam agora a conhecer o bom cinema. Ele é discreto e nada "artístico". Mas depois de anos de falsos profetas, novidades antigas e fazedores de arte tediosa, voce começa a perceber o brilho de Howard. Começa a perceber como seu estilo é estranho, um estilo tão natural que parece ser fácil, mas que é terrivelmente individual. Voce percebe que Howard Hawks é o diretor dos diretores, o que mais tem a ensinar a todos que fazem filmes, e aquele que traduz o sentido de se fazer cinema : observar a vida.
Clint Eastwood é um dos que mais tem procurado ser Hawks. Ás vezes ele quase chega lá.
Ser Howard Hawks deve ter sido uma delícia. Mas não é para amadores. O homem foi um gigante. Nos ensina em seus filmes a como ser honesto, viril, como suportar a pressão estóicamente, a ficar frio, a saber viver.
Hawks foi o mais adulto e o mais sábio dos diretores. Perto dele, todos os outros se parecem com adolescentes histéricos.