PARA SOLITÁRIOS E SONHADORES DESMAIADOS

O que mais me espanta nos caras de 11/16 anos de minha escola é seu pavor pelo vazio. Para eles o nada é impossível. Não conhecem o silêncio, estão sempre ouvindo algum som ou alguma conversa. Acordam e compulsivamente se conectam à sua rede. Rede aliás é lugar de peixe preso ou de dormir à sombra... nome que revela muito : ser capturado e adormecer.
Essa galerinha sabe tanto e nada absorve porque abominam a concentração. É impossível para eles fazer coisa nenhuma, parar e pensar, alimentar uma ilusão. Se mexem sem parar. Falam, ligam o celular, aumentam o volume, beijam e beijam e ficam, se conectam, e fazem tudo para não ficar um só minuto solitários. São estações de um gigantesco circuito.
Faço parte disso.
Leio muito menos do que lia. Me concentro mal. Escrevo pior e ouço música enquanto faço coisas. Chego em casa e ligo a tv, o computador, o rádio. Janto de frente para a tela. Menos tempo com meus cães. E usufruo menos de meus filmes. Pego de meu mar de vazio em rede de aço. Mais um.
Mas eu conheci o outro lado. Eu ficava no sitio do meu pai e dava pra crer, firmemente, estar na Rússia em 1880. Eu li Poe a luz de lampião e ficava um mês sem tv, telefone ou música. Era sol e bichos, água e livros, conversas no escuro e chuva com lama. O mundo podia explodir, meus contatos podiam morrer, eu não saberia. Era um tipo de lua de mel comigo mesmo. Dormir ouvindo meu pensamento.
Mesmo em casa não havia esse apelo magnético pela rede. Tardes inteiras sem nada pra fazer, tardes em que o tempo parava, longas e sem sol, em que eu me deitava no chão e ficava olhando o teto da sala. Tardes flanando pelas ruas que eu amo tanto, escutando a água correndo pela sarjeta, o vento nas folhas, vozes de crianças jogando taco, cães que latem. Tardes de sentar na calçada e ficar olhando as pessoas que passam e o sol se deitar. Um absoluto vazio na mente, um nada fazer e nada pensar. A felicidade.
A tv era lenta. Sem controle remoto eu me desligava quando vinham os comerciais. Ela ficava ligada e eu ficava distante. O ato de colocar um vinil para tocar convidava a ouvi-lo inteiro, dava preguiça de pular faixas e colocar outro disco. Tudo tinha de ser feito inteiro. Não existima botões para pular tudo. Voce não podia editar o tempo. Então, relaxava e pensava...
Agora eu chego a assistir quatro canais ao mesmo tempo e a escutar cinco cds em meia hora. Leio três livros ao mesmo tempo ( quando ruins ). E sinto ao final que não assisti coisa nenhuma, não escutei nenhuma música e não li algo que me lembre. Travo contato com um milhão de coisas e nada me penetra. Estou na rede.
Meu sonho é desligar tudo e voltar a pensar. Mas é sonho de fumante e de alcoólatra : adiado. A sedução do vicio é grande, mesmo sabendo que meu tempo é acelerado e gasto no desejo de se ter mais tempo. Tudo que é moderno nos promete mais rapidez para termos mais tempo para ser gasto em mais rapidez. O canal é mudado com um clic do sofá. Mais eficiência. De que vale se a tarde passa voando e dela nada recordo ?
Amontoados em rede, os peixes se debatem e não podem ir para lugar algum. Todos estão juntos nessa, ninguém está só. A vastidão do mar ficou pra trás. Nosso destino é a lata.