Ao final de uma excursão vitoriosa pela América, os Rolling Stones têm uma idéia : um show e um filme para comemorar esse sucesso! Um show grátis. Ótimo, mas a prefeitura de SanFran veta o show na última hora e na véspera eles conseguem o autódromo de Altamont. O show é marcado para sábado de manhã, a montagem do palco se inicia sexta de noite. Os Hell Angels farão a segurança. O desastre está anunciado.
Para quem não sabe, este filme é dirigido pelos irmãos Maysles, e eles são considerados, inclusive por Walter Salles, geniais como documentaristas. O filme é uma obra=prima. Não estou falando de rock, ele vale como cinema documental, ele mostra TUDO. Uma das mais terríveis imagens do inferno na Terra. Vamos por partes...
Jagger e Watts assistem o filme na sala de edição. E em sua primeira parte, o que vemos, é o último show no Madison Square Garden e a preparação de Altamont. O palco, a luz, o som sendo montado com milhares de loucos presentes, palpitando, perturbando, arrumando encrenca e se drogando. Quando palco e bastidores estão prontos, o que vemos, aturdidos, é que existem centenas de loucos sobre o palco e dentro dos bastidores. Em nossa era de shows hiper-profissionais, ver isso é como assistir ato de extrema irresponsabilidade : o cenário do caos.
Antes de chegar na Califórnia, a banda dá uma parada no Muscle Shoals, o mítico estúdio onde Otis Redding, Aretha e os Booker T gravam. É um barraco de lata no meio de uma fazendola!!!! É emocionante! Recordo de Steve Cropper dizendo que enquanto eles gravavam, os racistas ficavam jogando pedras no telhado e esperando lá fora para surrar os músicos.... Nesse estúdio eles gravam you gotta move.
Em Altamont começa o show. O Flying Burrito Brothers abre. Na época Keith estava muito amigo de Gram Parsons, e Gram era influência sobre o som dos Stones. Eles tocam e é o único momento de boa música em Altamont. Os Burritos eram magníficos!!!!! Mas a coisa esquenta. Os muito doidos Jefferson Airplane sobem ao palco, palco onde estão uns cem Angels fazendo nada e tentam tocar seu pop psicodélico. Não conseguem. Os Angels começam a provocar e Marty Balin, o vocal, parte pro pau. E o pau come no palco e na audiência. Ondas de violência irrompem em todo canto enquanto patéticamente Grace Slick fica tentando acalmar o povo. Vemos gente nua na platéia, mas não é mais a nudez de Woodstock, é uma nudez monstruosa, decadente, ofensiva. Em quatro meses, apenas, todo o colorido de Woodstock se tornava este negror horrendo de Altamont. A doce ilusão, falsa, de Hippies e flores, mostrava aqui seu lado real : vômito, violência, estupidez, drogas pesadas. As cameras mostram tudo, vão fundo, closes em dezenas de pessoas em surto psicótico. É terrível !
Os Stones chegam e tentam tocar. Jagger, gayzérrimo, satanico, esperto, tenta fazer seu show, mas é impossível. Há uma cena, longa, maravilhosa : Jagger dançando e um Angel, dois metros distante, de pé no palco, encarando Mick com fúria no olhar. Sentimos que aquele cara o detesta. E ele fica lá, ao lado do microfone, como se o palco fosse seu.
Um cão cruza o palco, perdido. Um pastor alemão. Moças sobem no palco, gente sobe e desce, e Jagger canta enquanto isso. É hilário ? Não. Alí eu vejo onde morrem os sonhos. As pessoas mostram sua face. Matam um negro na frente do palco. Ele aponta uma arma para Jagger e os Angels o matam com paus e facas. Na nossa frente. Tudo anunciava isso. Eram mais de 500 mil loucos, em bad trip. Eram centenas de Angels, passeando de motos em meio aos hippies, prontos para brigar. Eram centenas de brigas, todo o tempo. E era a postura satanica dos Stones, postura que eles abandonariam nesse dia/noite. Jagger sentiu medo, muito medo. Eles haviam ido longe demais, todo o lixo do mundo os seguia. A banda se torna então uma paródia de sí-mesmos, inauguram nesse pavor o rock moderno : circo, it's only rocknroll.
No estúdio há um longo close em Charlie Watts. Apenas isso. Vemos o mais doce dos Stones. Esse é momento de puro cinema. De soberbo cinema. ( E eu penso em como a MTV matou esse tipo de filme. Não se faz mais filme para cinema com bandas. )
Outra coisa que notamos : como era bonito ver Jagger e Richards juntos. Aqueles meninos que se conheceram por acaso num trem em Richmond e que fizeram da caretésima Inglaterra o lar da mais sexy das bandas. O negócio deles era glamour e os dois formavam um casal perfeito : Mick era o dandy e Keith o pirata.
O mundo mudou demais em cinco anos. Não temos consciência disso, mas entre os yeahs yeahs yeahs de She Loves You e o inferno de Altamont se passaram apenas cinco anos !!!!!! É outro planeta ! Onde havia uma doce ingenuidade juvenil, nasce em dezembro de 1969 uma horrenda decadência agressiva. A mudança foi rápida demais, radical demais. A loucura foi demais.... dionísio tomou conta de Altamont.
Assista Gimme Shelter. Sabendo que é um documentário sobre pesadelo. Um anti Woodstock e um anti Beatles. Os Stones são aquilo. Jagger tocando blues para Tina Turner no backstage é o real Mick Jagger. Mas eles morreram naquele palco. Foram trucidados. Como faziam as bacantes dionisíacas na Grécia arcaica. ALTAMONT FOI A ÚLTIMA NOITE DIONISÍACA DO PLANETA.
O horror, o horror, o horror......
PS;
Há um vídeo no youtube onde em 1966 os Stones tocam HAVE YOU SEEM YOUR MOTHER BABY STANDING IN THE SHADOWS em Amsterdam. O público perde o controle e agressivamente começa a invadir o palco e interrompe o show. Numa aula de cool, a banda não se importa e Brian Jones gargalha. O duendismo é exatamente isso. Veja.