Bons filmes continuam a ser feitos. Bons atores e bons diretores continuam a existir. Então porque, para todas as pessoas que amam o cinema, ele passa uma sensação de total decadência ? Bem... não é dificil responder e há um texto de Pauline Kael, escrito já no final dos anos 70, que ajuda a entender. Vamos por partes...
O BLOCKBUSTER. Primeiro vem o grande sucesso. O filme que todo mundo vai assistir, que todos comentam, que o cara que nunca vai ao cinema sente vontade de ir assistir. É através desse filme que se julga o momento atual. E o grande sucesso de hoje é sempre tecnológico. Não existe mais o grande sucesso baseado num grande desempenho, numa grande história ou numa bela produção. O que existe é o grande efeito, e isso é circo, não é cinema. Um espetáculo em que o público vai para fazer : "aaaaaah !" quando o trapezista pula mais alto e "oooooooh" quando o leão abre a boca. Nenhum grande sucesso é baseado em diálogo ou roteiro. GOLPE DE MESTRE, E O VENTO LEVOU ou mesmo A NOVIÇA REBELDE seriam hoje filmes B. Devemos julgar 1973 por GOLPE DE MESTRE também. Julgamos o agora por AVATAR. Em que pese Avatar ser um bom filme, todo seu sucesso é baseado em Marketing e nos seus efeitos. Em circo. Seus atores nada podem fazer, seus diálogos têm o nível Stan Lee de dramaturgia. BASTARDOS INGLÓRIOS se lançado em 1973 seria o hit da estação. Hoje é considerado arte...
OS PRÊMIOS. Vencer em Cannes ou Veneza fazia do filme um evento. A repercussão desses prêmios hoje é nula. E fato estranho, mesmo o Oscar não repercute mais. GOLPE, E O VENTO e NOVIÇA venceram como melhor filme, graças a seu sucesso, mas também às suas qualidades. Quando o filme dos irmãos Coen venceu ( com maravilhosa justiça ) nada aconteceu. Ao contrário do que otimisticamente eu esperava, não se inaugurou uma nova fase em Hollywood. Se BASTARDOS vencer agora, infelizmente não se inaugurará uma fase Tarantinesca e se NINE vencer, isso não irá significar a volta dos musicais. Mas já foi diferente. A vitória de OPERAÇÃO FRANÇA trouxe a era dos anti-heróis radicais que durou até os anos Reagan, e o triunfo de O PODEROSO CHEFÃO ( e seu enorme sucesso nas bilheterias ) trouxe um bando de moleques ao poder total. Poderá isso se repetir ?
O OUTSIDER. Esse é o grande problema, " Poderá isso se repetir ?" Querer repetir alguma coisa, mesmo que genial, nunca é bom sinal na arte. E hoje, todo diretor de talento, fica tentando repetir aquilo que Scorsese ou Cassavettes fizeram. E vem então esses filmes espertinhos, com suas trilhas de rock, seus personagens malandros, seus cigarros e roupas 70's, suas cenas de improviso. São bons filmes, mas eles nada trazem de novo, não podem fertilizar nada, são lembretes da genialidade do passado. Mas pode ser pior : sempre no cinema o filme de arte foi a antítese do filmão. E hoje, quanto mais filmão o blockbuster é, mais "artísitico" o outsider tenta ser. A ÚLTIMA SESSÃO DE CINEMA era o anti AEROPORTO. Para hoje um cara ser o anti BATMAN ele acaba sendo tão metido que se torna incomunicável. É a total negação.
A PRODUÇÃO. Se disputava um roteiro. Após comprá-lo, se escolhia diretor e depois o elenco. Hoje não. Se cria um produto. È encomendado um roteiro. Escolhe-se um diretor que tenha feito algo parecido com aquilo ( ou igual ). O grande filme é feito por produtores, mas quem são esses caras ? Executivos de publicidade ou de TV. Herdeiros de grandes empresas de petróleo ou de construção. Tudo, menos cinema.
O GÊNERO. Julga-se um momento do cinema não por seus melhores filmes ( que sempre podem enganar) mas sim pelo filme médio. Pela aventura, pela comédia, pelo drama médio. Posso dizer que morro de tédio com HOMEM-ARANHA, SENHOR DOS ANÉIS e HARRY POTTER. Por um motivo muito simples : eu adoro cinema ! Todos esses filmes são feitos para fãs de TV. São séries em tamanho big. Não há sutileza, não há criação, não se usa a linguagem do cinema. Tudo é edição e mais edição. Como na TV, luta-se violentamente pela atenção de um público incapaz de concentração. Vejo o Homem-Aranha pular e nada acontece comigo. Vejo apenas um boneco colorido saltar... será que ninguém mais percebe como aquilo é RIDÍCULO ? Quando olho Clint Eastwood em DIRTY HARRY dar tiros, quando vejo Bruce Willis se sujar em DIE HARD, quando vejo Mel Gibson pirar nas ruas, quando vejo Stallone pendurado num abismo... bem, há emoção alí. Mesmo Sylvester é um ator. Nós vemos sua expressão facial, seus gemidos, seu esforço, ouvimos sua voz. Há uma dimensão humana a ser superada. O bonequinho saltando nada me diz. Se é para fantasiar, vamos de SHRECK, ele é imensamente melhor.
A ESCOLHA. Então estamos reduzidos a idiotice de bonecos tolos, comédias românticas de debiloides e filmes políticos que se parecem com aulas de atualidades. E por outro lado, diretores que odeiam o cinema pop e fazem uma tristíssima mistura do pior de Bergman com o pior de Cassavettes. São aqueles filmecos deprê, em que para confrontar os filme HQs, NADA acontece. Filmes chatíssimos em que sempre os personagens são deprimidos, os cenários são mal iluminados e as atrizes se vestem como indigentes. E no meio dessa tristeza, tentando manter as coisas em algum nível de sanidade, os herdeiros da última grande geração, os Tarantinos, Coen, Haynes, Hanson, Payne, Burton... Mas todos eles sabem que seu cinema, por melhor que seja, é irrelevante. Pois ele dialoga com o passado, não reverbera agora, ecoa para trás. São filmes que sempre são homenagens aquilo que o cinema fez.
A CURA. Sempre que o cinema mudou, ele mudou porque havia um novo público querendo novos filmes. E esse novo público surgia SEM QUE OS PRODUTORES PERCEBESSEM. O público que fez de um filme tão radical como A LARANJA MECÂNICA ou O ÚLTIMO TANGO um sucesso, foi formado pelos livros e pela política. Se dependesse do cinema, tudo se resumiria a NOVIÇA REBELDE. Para o cinema mudar o público teria de mudar. Como ?
MUDANÇA. O último público novo no cinema foi o da geração 1977, que de certa forma é a nossa geração. Foi quando os jovens formados pela mistura de TV e quadrinhos se encantaram com STAR WARS e TUBARÃO. Fazem 32 anos que temos cada vez mais STAR WARS E TUBARÃO. Porém com cada vez mais robozinhos e bichos de borracha, cada vez menos Harrison Ford e Roy Scheider. Só não vê quem não quer : o grande sonho de todo produtor irá se realizar : cinema sem ator nenhum, sem diretor e sem roteiro. Circo, mágicos e palhaços. Até quando aplaudir ?
A VOZ. Spielberg disse uma vez que " Um bom filme deve ter um roteiro que possa ser resumido em 25 palavras... " Beeeeem... se é assim ( e não esqueçamos que Steven nunca escreveu um roteiro ) então estamos muito bem ! 2012 é o filme perfeito, sua trama pode ser resumida a 3 palavras.