Dos artistas modernos nenhum impressiona melhor aqueles não habituados com a arte que Chagall. Não por ele ser mais simples ou pop, mas porque Marc Chagall conseguiu um equilíbrio entre religião/arte, modernismo/arcaísmo, poesia/pintura, sonho/realidade. Este poeta russo é único no século XX, acredita no homem, acredita na vida, acima de tudo crê no amor.
Chagall nasceu judeu, em aldeia russa. Jamais deixou de ser muito russo, muito judeu e nunca tirou seu coração da aldeia. As cores, roxos e vermelhos vivos, verdes profundos, amarelos brilhantes, são completamente russos. Como russos são seus sentimentos. Marc é absolutamente sensual, as figuras dançam, pulam e sempre levantam vôo. Seu judaísmo está na profusão de estrelas de Davi, velas, profetas, ícones. Tudo remete ao Deus do velho testamento, as cerimônias, as barbas. E existe a aldeia. E é dessa aldeia que Chagall tira sua poesia. Galos de olhos ferozes, bodes rindo, pássaros que são homens, camponesas que são rochas. Sol e lua e essas vacas voando pelo céu, vacas de olhar divino e que são um dos mais felizes símbolos do século. A pintura de Marc Chagall, mágica, nos faz planar no céu.
Mas não pense que ele foi um aldeão. Viveu em Paris, entre artistas modernistas, viveu com sua musa, Bella, namorada da aldeia que ele deixou para trás enquanto se instalava na França. Um dia ela vem para o encontrar, e Chagall pinta sua obra-prima, aquele quadro desmaiante, onde a noiva flutua ao ser beijada pelo artista. Mas Bella morre, anos depois, e Marc deixa de pintar. Seu luto é total : para que pintar sem Bella ?
Redescobre o amor e volta às cores. O segundo Chagall é menos poeta e mais mestre, equilibrado. Descobri esse encantador cigano/judaico em 1985, no canal 9. Roberto D'Avila entrevistava Marc aos 90 anos em Paris. Nove da noite, era o Conexão Internacional. Duas horas com esse mestre russo/francês. Ao fim da entrevista, onde se falou de guerra, gueto, aldeias, modernidade, cor, idade, Roberto pede para que Marc Chagall dê um conselho aos jovens espectadores. O poeta se ergue da cadeira e com olhos brilhantes e subitamente renascidos diz "- Amour ! " Somente o amor existe... Pieguice ? Não ! Na década da ironia ( era 1985 ) eu entendi tudo. Dois meses depois ele falecia.
Desde então eu descobri Gauguin, que com sua inquietude e seu heroísmo radical se tornou meu artista favorito. E encontrei Klee, Kandinski e Vermeer. Mas Chagall, o nunca imitado Marc, o aldeão que não criou escola, é desde sempre um tipo de avô ideal, de patriarca ícone.
Ir ao MASP ver Chagall é obrigatório. Irei uma vez por semana. Uma romaria a um anjo, um puro, um olho em comunhão com a alma do universo, gurú.