JD SALINGER e CHARLES M. SCHULZ

Salinger nunca foi chato. Não ficou posando de lider de geração. Ao contrário de Norman Mailer, Capote e Gore Vidal, nunca desejou ser estrela de nada. Sem aparições na TV, sem entrevistas na Playboy. Também não ficou lançando pilhas de livros. Assim não cometeu o erro de Updike ou de Roth, montes de livros banais ofuscando suas obras-primas.
Ele realmente percebeu e sentiu a verdade. A de que VIVEMOS UM APOGEU ANTES DA EDUCAÇÃO. Adolescentes são o ser-humano em seu auge. Depois nos enquadramos. E quem não se enquadra se torna SALINGER - hermitão.
Esse modo de pensar ( que é verdadeiro ) trouxe algo de muito bom a civilização ; a contra-cultura. Momento em que, como adolescentes, questionamos tudo e perdemos todo o respeito pelo velho. Mas após esse momento CAMPO CENTEINIANO, mergulhamos no pior da adolescência : vaidade fútil e infantilismo. Não derrubamos agora o velho para criar o novo, apenas, hoje, idolatramos a novidade.
Salinger surge em momento muito especial. Brando, Clift e depois Dean tornavam pop a angústia jovem, e o cool-jazz embalava o desejo de viver. Salinger surge na hora certa.
Seu livro é coisa hiper rara. Best-seller com conteúdo. Fazem zilhões de anos que nada de tão bom e de tão novo vende tanto. O livro jogou fora as novelas sobre jovens-adultos e criou a novela adolescente. E esse jovem personagem era doido, tímido, neurótico, engraçado, apaixonado e sonso. Sem ele não existiria o Coelho de Updike, o Portnoy de Roth e essas toneladas de livros menores que vão de Nick Hornby até Lollita Pille.
O cinema dos 60 é também filho de Salinger. A PRIMEIRA NOITE DE UM HOMEM seria inviável sem O CENTEIO.
Lembro de Robertson de The Band dizendo que é impossível compor se sua vida é cheia de tietes, entrevistas e festas. Compor só é viável em solidão ou na estrada com amigos. Salinger se isolou, tenho certeza, para criar o grande livro americano. Falhou. Em 40 anos de tentativas, o livro não nasceu.
Bloom costuma dizer que todo autor americano segue uma de 3 linhas : Melville, Henry James ou Mark Twain. Embora superficialmente Salinger pareça picaresco como Twain, seu molde é Henry James. Como Fitzgerald, o seu interesse é pelo estilo, pela língua, pela voz e não pelo enredo. Seu texto é acima de tudo bem escrito. É prosa corrigida, trabalhada, refinada até a perfeição.
O tal grande livro americano continua a ser MOBY DICK. Os escritores americanos continuam a tentar fazer seu livro canônico. Seu DOM QUIXOTE, A DIVINA COMÉDIA, CANTERBURY, FAUSTO ou GUERRA E PAZ. A América não tem ULYSSES ou EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO. Nem mesmo um A MONTANHA MÁGICA. A América, muitos dizem, é país de muitos grandes escritores, mas não de grandes livros. Heminguay é o exemplo mais trágico. Grande autor sem um grande livro. E mesmo autores que foram mais longe, como Faulkner ou Bellow, dão a sensação de que seu talento nunca foi completamente explorado. O grande livro que eles tanto ensaiaram não veio a luz. O GRANDE GATSBY é provávelmente o grande livro americano do século XX ( e Salinger concordaria com isso ).
Eu descobri Salinger na idade certa : 17 anos. Foi leitura do Objetivo. Gostei e lembro de o ler em uma tarde. Nunca mais o reli. No correr dos anos vieram autores mais antigos ou mais recentes. Mas Salinger conseguiu em mim o efeito que penso ser aquele que ele sempre desejou : seu nome ficou à parte, fora da corrente, sempre lembrado mas estranhamente alheio. Salinger conseguiu continuar adolescente. Ficou fora do mundo de Saramago, Le Clezio ou Dario Fo.
Ele venceu.
MAS.....
Que maravilha!!!!!! Ao mesmo tempo que a América nos dava Salinger e Brando, ela nos dava algo de bem mais....... sei lá....
CHARLES M. SCHULZ.
Sem Charlie Brown não haveria Woody Allen. Nada, nada é melhor que PEANUTS. Quem amou um dia Linus, Snoopy, Schroeder ou Lucy, vai amá-los para sempre. E Schulz manteve também sua integridade. Só ele fazia PEANUTS. Quando ele morreu ( e que terrível foi esse dia ) a série terminou.
Voce sabe : Charlie Brown tremendo sobre a base é a melhor imagem sobre o homem moderno já feita. Poço de medo e um sorriso que teima em tentar vir. Assim como SNOOPY, como já foi dito, é a mais saudável imagem do homem contemporâneo : apostar na criatividade sempre. Snoopy cria seu mundo todo o tempo e aceita o que a vida lhe dá, mas sempre brigando pelo prato mais cheio. Snoopy não conhece tédio ou desepero, ele relaxa e brinca. Nada é sério para ele, sómente seu prato.
Schulz e Salinger terem vindo juntos não foi acaso. Eles chutam a cultura européia fora. Cultura que nos deu a guerra e o campo de extermínio. E criam a arte americana. O texto que é jazz, e o quadrinho tornado arte, alta e sofisticada arte. Cultuam o menino, a menina, a inocência maculada, a neurose do quase nascido. Charlie Brown luta por nascer.
O grande livro americano jamais irá nascer. O interesse da América é pelo grande homem, não pela grande obra acabada. Jamais haverá um HAMLET. Mas haverá um EUGENE O'NEIL. A arte americana não poderá ter seu MOLIÉRE, mas a França não pode ser terra de SNOOPY.
Acho que é isso.