GAROTOS INCRÍVEIS - MICHAEL CHABON

Quem me conhece sabe de minha paixão pelo filme de Curtis Hanson baseado neste livro. A comparação do livro, que lí somente agora, com o filme, que já vi 4 vezes, serve para clarear os limites do cinema e fazer pensar em como deve ser cruel adaptar um livro tão bom.
Chabon, autor jovem, é das coisas mais "quentes" das atuais letras americanas. Já ganhou Pulitzer e consegue unir erudição com popicidade. Este é seu segundo livro e fala de um final de semana na vida em crise de um professor/escritor que não consegue parar de aumentar seu prometido novo livro : WONDER BOYS.
O livro é muito mais amargo que o filme. O editor gay, feito no filme por Robert Downey Jr com simpatia ( aliás o grande limite a Downey como ator é que ele não consegue deixar de ser simpático ) é um nada simpático e afetadíssimo, falso e maldoso homossexual no livro. Assim como James Leer, o garoto prodígio, é um suicida sensível, que tem na mão uma tatuagem onde se lê FRANK CAPRA ( a tattoo sumiu nas telas ). As alusões ao cinema dos anos 30 são constantes no livro. Fala-se da beleza arrebatadora do jovem Henry Fonda e dos atores que se mataram. Mas o livro e o filme se desencontram de vez mais a frente...
A aluna Hannah, que no filme é mera sombra, no livro é uma paixão do professor. Ela o assombra todo o tempo com suas tentativas de sedução, às quais ele resiste. Em compensação, Sara, a esposa do reitor e mãe do futuro filho do protagonista, é aqui coadjuvante. No filme ela aparece mais.
O miolo do romance é uma visita a casa da ex-esposa do professor, onde a família dela comemora a páscoa judaica. São as melhores páginas do livro e trágicamente no filme desapareceram sem deixar o menor rastro. Aliás não é só a quase pedofilia do autor com sua aluna que foi eliminada, toda alusão ao judaísmo também.
Como no filme, a vida do professor gira ao redor da maconha. No livro a coisa é bem mais pesada, seu vício é total. Nada há de cômico na erva, ele fuma por estar em crise e saber que seu livro é um lixo. A crise é absoluta. No fim ele perde tudo, carreira, aluna, carro, amigo, aluno. Mas o livro emociona com um dos melhores finais da década. As últimas páginas deste romance sobre a crise são de maravilhosa beleza. Um otimismo real aparece, uma paz possível.
Chabon escreve bem. Ele é fácil de ler, mas jamais é superficial; ele é pop sem fazer gracinhas. Consegue criar um personagem apaixonante ( Grady Tripp, o professor. No filme feito com inspiração por um carismático Michael Douglas ) para quem torcemos todo o tempo. Sua trajetória através desse louquíssimo final de semana é cômica, trágica, heróica e patética.
GAROTOS INCRÍVEIS é livro que faz com que a fé na literatura permaneça. Diversão soberba e escrita perfeita.
Um adendo : Como deve ter sido triste ao autor do roteiro ( premiado ) eliminar capítulos inteiros, cenas que poderiam render tanto na tela, diminuir personagens, cortar falas, abreviar desastres e passar sobre rostos e vozes. Penso em tantos livros destruídos no cinema, livros como MORRO DOS VENTOS UIVANTES que sempre deu filmes péssimos, ou ANNA KARENINA livro monumento que na tela vira uma novelinha frágil. Em compensação penso em David Lean, que filmou OLIVER TWIST e GRANDES ESPERANÇAS e conseguiu fazer dos dois livros filmes geniais. GAROTOS INCRÍVEIS o filme, está mais para GRANDES ESPERANÇAS que para ANNA KARENINA, Curtis Hanson sobreviveu a transposição.
Mas o livro é ainda melhor que o filme. Mais profundo, mais engraçado e muito mais febril. O cinema tem limites claros, e o tempo é o mais óbvio.
Faço aqui uma campanha : Peguem o que sobrou do livro e produzam mais um filme ! Please !