LIÇÕES DE FRANCÊS - PETER MAYLE ( COMER É BOM )

Uma refeição inesquecível. Penso que todos nós temos aquele almoço, aquele jantar que fica na memória. Este livro de Peter Mayle ( voce deve ter notado que nesta época do ano não leio nada de muito dificil. Férias ! ) fala sobre um inglês, povo avesso a comida, descobrindo a riqueza de sabores franceses. Afinal, tudo o que os ingleses têm é fritas com peixe e pudim de rim.
Quem nasceu numa família européia sabe o quanto eles falam sobre comida. Lembranças dos pêssegos da infância, das cerejas e dos figos. Todo dia é dito : "É tempo das uvas !" ou " Hora das melhores linguiças ! " É uma verdadeira doença ! Benigna doença ! Festas só têm sentido por seus pratos. O grande lance do Natal não são os presentes, os enfeites ou seu simbolismo. São os pratos que serão comidos. O livro diz, e eu já havia notado, que a maior parte do orçamento mensal de um europeu latino é gasto com o estômago. Seu carro e suas roupas ficam muito atrás...
Peter Mayle escreve leve, fácil, gostoso. É um inglês que descobriu o sol, o prazer sensual, o tempo vagaroso. Nos leva pelas festas da rã, dos vinhos, da trufa fresca. Nos ensina a fazer uma omelete, a apreciar um pastis e a entender um café. E nos seduz com queijos, pão e conhaque.
Ficamos pensando na vulgar tolice desse café em copo de isopor e em como a cultura americana é toda baseada na poupança do tempo. Rapidez sempre. O serviço e o savoir faire ficam completamente esquecidos. Traga-me um café enfeitado e rápido. O gosto.... quem pensou que o sabor é importante ? Entendemos porque a agricultura francesa é subsidiada. Não há como continuar fazendo queijo e champagne decentes sem proteção contra alimentos industrializados.
Recordo então de meu primeiro café da manhã em Courbevoie e na variedade de geléias, queijos, tipos de pães e de doces que há no café da manhã gaulês. Meus tios estão longe de serem ricos. São trabalhadores comuns. Mas eles gastam muito em comida, em vinho, e principalmente, em tempo. Para eles ( e sei que esse costume está mudando ) é inadmissível comer em menos de duas horas. Uma salada, dois pratos quentes, pão e queijos, vinho e frutas, esse é o mínimo para fazer um homem feliz. E como comem !!!!! Você acha que a refeição terminou e eis que vem mais um prato ! Fatias de melão com presunto crú, alface com azeite e queijo brie, perna de cabrito, batatas sautée, vagens e cenouras, galinha assada ao mel, mais queijos, copos e copos de vinho tinto, pedaços de baguette com manteiga, omelete de cogumelos, e mais carne, e mais queijo !!!!! E no fim, para descer tudo, Calvados e café. Caramba !!!!!
Nossa cultura made in USA nos deu coisas que eu realmente adoro : cowboys, rock, jazz e o melhor cinema. E ainda skate, surf, rap, e uma informalidade que me agrada. E nos trouxe maravilhosas panquecas, sucrilhos em que me vicio e milk-shakes gigantes. Mas é uma cultura muuuuuuuito diferente da latina ! Há um excesso de eficiência que rouba o tempo a tudo. O que importa é quanto voce faz em menos tempo, e nunca o que voce faz. Há um desejo em se estufar a barriga e não em comer com conhecimento. Gostos puros e simples : muito doce ou muito salgado. Não existe a riqueza de gostos estranhos ( trufas, rãs e escargots ). Coca no lugar do vinho. É o tal do café com sabores...
Comer no quintal, gastando meio salário e desperdiçando toda a tarde à mesa... esse é um costume europeu, de italianos, portugueses, alemães ( mas não de ingleses ). E de brasileiros com seus churrascos com cerveja ( o churrasco poderia ter maior variedade ! ) O café na padaria, em louça ou vidro, com cheiros fortes de manteiga, de chapa, de sonhos; com fregueses falando alto, conversando com o balconista, abrindo o jornal. A delícia que é um pão quente com manteiga pingando... Manteiga.......
O livro fala dessas coisas. E dessa estranha forma de vida que é o francês. Esse bicho que adora discutir, que pensa ter sempre a razão e que é guiado por seu estômago. Onde cozinheiros são super-estrelas e restaurantes são catedrais. O prazer à mesa é rei.
O Natal vem aí... faça deste uma data de mesa inesquecível. Se dê um gosto nunca sentido e um ritual informal de glutonaria explìcita. Vinho, queijos, conhaque, café, manteiga e azeite. Sacie a fome por vida. Tudo ao sol e noite adentro, com prazer. Talvez a vida seja só isso...