HERÓIS, COTTARDO CALLIGARIS II

...E na vida existem coisas mais importantes que a própria vida. Esse é o motivo básico do herói, ir ao fim e desprezar sua segurança por algo maior que ele mesmo.
O homem vive isso por toda a vida. O homem vive no devaneio. Ele espera poder viver essa vida de herói, ele necessita dessa vida heróica. Ele quer ser "o homem que sua mãe sonhou"...
Acho bonita essa imagem "o homem que sua mãe sonhou..." Mas eu realmente não sei se concordo com ela. Ou melhor, não sei se a aceito. O que aceito é que nessa busca por heroísmo, nos tornamos soldados, amantes suicidas, drogados ou bandidos. Nos arriscamos.
Calligaris dá uma linda resposta a uma moça que diz : "Então estou cheia desses homens. Coragem é cuidar dos filhos e ir ao mercado ! " Eis a resposta : "- Meu pai era um idealista cem por cento masculino. Não ia à feira, não cozinhava e não educava os filhos. Mas se não fossem homens como ele, hoje a Europa seria um continente fascista. Pois foi ele que carregou a família para as montanhas, sem leite, sem água, com filhos pequenos, para se juntar a luta contra Hitler." Um mundo sem heróis sonhadores seria um mundo conformado. Ninguém arriscaria seus filhos em nada. Para a mulher, a vida é sempre o mais alto bem.
Uma idéia que me toca : os EUA pegaram a missão de ser a usina de heróis do mundo. Eles é que devem escrever a história heróica do planeta. É isso que os mete em guerras constantes, é isso que move seu cinema ( todo filme americano, mesmo os mais artísticos, têm heróis ), sua música, seus escritores ( desde Whitman, Poe e Twain ). Isso vai tão longe que os americanos jamais poderão aceitar algo como seguro social ou socialismo. Para eles um estado provedor é a capitulação do herói. O herói tem de viver e morrer só.
Cottardo cita OS BRUTOS TAMBÉM AMAM E CASABLANCA como os dois mais perfeitos exemplos de heroísmo. Pois o homem julga amor verdadeiro apenas o que é amor-ideal. Sacrificar o amor para manter vivo o amor, eis a estranha sina do herói. Na verdade, namorar, casar, ser pai, ser bem sucedido, são formas de frustrar o desejo de ser herói. A não ser que o namoro seja dificil, o casamento cheio de percalços vencidos e a paternidade seja ato de desafio. Flertar sempre com o abismo.
Como Dalilas, as mulheres tentam cortar os cabelos de Sansão e fazer com que o homem fique mais em casa, viva no mundo real. O trágico é que assim que esse ex-herói se aquieta, Dalila passa a sentir saudades do herói e joga suas expectativas no futuro novo Hércules : seu filho. Está perpetuado assim o ciclo.
Neste mundo, em que não existem mais tantas chances de ser herói (ir à guerra, matar um urso, construir uma cabana no mato, salvar a mocinha do bandido ) o jovem se atira a rachas, drogas, crime e pura violência cega. Nesta vida hiper protegida, o herói, longe do abismo, ansia por abismos artificiais onde se jogar.
Que belo programa de TV este Café filosófico !