Conheci Woody pela TV. Nos anos 70 ( eu devia ter uns 12 anos ) a Globo anunciava BORIS GRUSHENKO que estava em cartaz. Depois, em 1977, mesmo ainda não tendo 14 anos ( era a censura do filme ) assisti ANNIE HALL no cinema. Era o filme da moda, o filme "indiano de Danny Boyle" da época. Fui ao cine Cal-Center, na Faria Lima. Era um cinema muito pequeno, uns 150 lugares e com uma tela mínima. Era diferente ir no cinema naquele tempo. As pessoas aplaudiam o filme ao final ( apenas quando gostavam. O maior aplauso que presenciei foi para Z de Costa-Gavras. Ou terá sido para OS EMBALOS DE SÁBADO A NOITE ? Não, John Travolta era aplaudido durante todo o filme, e as pessoas viam o filme de pé, dançando. Assisti OS EMBALOS 8 vezes, todas matando aula, a primeira vez com minha mãe !!!!!!! no mesmo Cal-Center, e depois com meus amigos no Gazetão. Sempre com filas na rua. A gente sabia os diálogos de cor... )
Bem... ANNIE foi aplaudido e foi o filme daquela geração. Não da minha, daquela, o povo que hoje tem 60 anos. Ele mostrava exatamente a vida de uma certa classe média, intelectualizada, antenada. Eu adorei o filme, mas na verdade não entendi quase nada. Adorei as piadas, adorei a criatividade da direção. Mas achei Annie uma chata e odiei a cara e a voz de Woody. Naquele ano eu adorava muito mais JULIA, que perdera o Oscar para ANNIE.
O tempo passou, e reencontrei Woody Allen nos anos 80. Foi revendo ANNIE, na TV, que percebi tudo : Woody Allen era o cara que melhor representava TODOS os neuróticos do mundo. Seus medos eram meus medos, suas alegrias eram as minhas. Até seu humor era meu humor. E principalmente, sua complicada maneira de amar era a minha/nossa. Woody Allen dizia querer ter nascido Marlon Brando ou Ingmar Bergman, e era essa divisão entre o pop e o intelectual que me dividia também. Além do que, foi na trilha de MANHATTAN que descobri a música de Gershwin...
Ele faz parte da última grande geração de diretores americanos. A última que conseguiu aliar sucesso popular com realização artística. A geração de Spielberg, Lucas, Altman, Coppolla, De Palma, Scorsese, Clint Eastwood, Mel Brooks, Mike Nichols, Pollack, Lumet e um imenso etc. Gente que começou na TV ou em escolas de cinema, mas que por seu genuíno amor a arte, conseguiu fazer verdadeiro cinema, e não televisão em tela maior. Woody é central nessa geração. Seus filmes analisaram a vida de gente que todos nós conhecemos. Como disse alguém recentemente, é ótimo ver filmes que ainda são feitos para adultos. Seus filmes podem ser geniais ( MANHATTAN, HANNAH, DESCONSTRUINDO HARRY, ZELIG, CRIMES E PAIXÕES ) ou ruins ( TUDO QUE VOCE QUERIA SABER SOBRE SEXO, INTERIORES, O ESCORPIÃO DE JADE ), mas nunca são desonestos.
Disse que Allen não é da minha geração, e realmente não é. O retrato fílmico de meu tempo está em Oliver Stone, David Lynch, Tarantino e nos Coen. Já não é o tempo da neurose analítica de Woody, já é o tempo de pura piração. O que define meu tempo não é a procura da felicidade ou do eu-verdadeiro, como o é nos filmes de Allen; mas a aceitação da infelicidade da vida, e a tentativa de escapar disso pela pura ironia ou pela negação da realidade. Woody Allen sofre com a vida, mas tenta ser feliz. A partir dos anos 80 tenta-se ignorar a vida real.
Quem retrata a geração de hoje é provávelmente Lars Von Trier. Ou talvez Gus Van Sant também. Preciso dizer mais sobre uma geração que vaia moças de minissaias ???? Onde estava o Clint Eastwwod da sala para resmungar e a defender ? Fico feliz em fazer parte da geração que se uniu pelas diretas já. A geração que ainda compreendeu Woody Allen.
Ele uma vez listou tudo aquilo que o fazia querer continuar vivo. Lembro que ele citou os filmes de Bergman, Groucho Marx, beisebol e Louis Armstrong. Woody Allen me faz querer continuar vivo. Recordo que ANNIE HALL na TV, em 1989, me ajudou a superar uma deprê braba. E TODOS DIZEM EU TE AMO me recuperou de um pé na bunda em 1998. Ele é um tio que eu adoraria ter tido.
Nunca mais surgirá outro Woody porque o mundo não quer mais Woodys. Ele pensa demais, fala demais, analisa demais. O mundo em que ele cresceu era um mundo onde ainda se podia ler Dostoievski e jogar bola na rua ao mesmo tempo. Onde ele assistia Bergman em cinemas e depois ia ouvir jazz de big band num bar barato. Um mundo onde o muito sério podia conviver com o muito povão, sem problema nenhum. Mundo de imigrantes, de fim de guerra, de mobilização política e do começo da TV. Um mundo de começos, e onde quase tudo era feito em grupo. Voce ouvia música em grupo, via filmes em grupo e até assistia TV em grupo.
Os filmes de Woody Allen falam de solidão, mas repare, são cheios de gente !!!!! Não há a imagem fria do cara em sua sala com seu laptop. Não existe a falta do que dizer. Existe gente.
Se ele fizer realmente um filme no Brasil será incrível. Não sei se o Rio de hoje merece um filme de Woody. Sei que SP nada tem de Woodyano. Mas talvez ele consiga fazer o milagre de por 90 minutos nos fazer ver o Rio que ainda existe em fantasmas e em vislumbres.
Talvez ele até consiga fazer as pessoas tirarem a bunda da poltrona, largarem seus baldes de Coca e aplaudirem mais um Woody Allen film.