O LEGADO DE HUMBOLDT - SAUL BELLOW

Saul Bellow é o único autor obrigatório que escreveu de 1955 pra cá. Depois da geração de Waugh, Greene, Faulkner e Camus, é Bellow quem melhor sintetiza o que de melhor se escreveu nesses últimos sessenta anos. Nele vemos fagulhas de Updike, Roth, Atwood, Murdoch, Will Self, Pynchon, Barnes e Sebald. Apenas a literatura latino-americana nada tem a ver com sua escrita. Ele é o centro, então, da Europa e EUA em livros de ficção.
Começou a escrever nos neuróticos anos 50 e logo fez sucesso. Durante os anos 60 foi autor meio recluso, deixando os holofotes para Mailer e Capote. Nos anos 70 ganhou seu Nobel, sendo um dos mais jovens autores a atingirem essa glória. Faleceu no final dos anos 90. Publicou cerca de 12 livros, dos quais uns sete são centrais em qualquer biblioteca.
Sua escrita, quanto ao estilo, é aquilo que TODO escritor tenta fazer : simples e profunda. Não há nada de complicado, de barroco, de precioso em seu estilo. É um modo de escrever nervoso, rápido, febril, e que dá a impressão de ser fácil. Mas atenção : nunca se parece com o modo jornalístico de Heminguay. Bellow se enfia na mente dos personagens, mostra seus pensamentos, seus diálogos inteiros, suas caras e sua alma. Mostra o medo e o mal, principalmente. O personagem central, aqui como nos outros que li, é alguém em crise, acuado, à procura de alguma coisa.
Bellow é para homens adultos. Creio que as mulheres não irão gostar tanto. Ele é decididamente hetero, e nada tem de juvenil. Lembra filmes de Woody Allen ( porém, com muito mais ação ). Muitas coisas acontecem em seus livros : viagens para a Africa, cenas com a máfia, brigas a socos, tiros, mortes, sexo ocasional, sexo com amor, muitas cenas de grande cidade, pensamentos sobre livros e filmes, escursões ao campo, fugas e enlouquecimentos. Tudo com humor muito negro, com rapidez, com coragem, e com um dom de saber criar personagens... nunca li nada dele que não tivesse montes de tipos bem delineados e inesquecíveis ( e bastante ridículos também ).
Aqui ele fala de um escritor ( Citrine ) de muito sucesso, que se sente culpado pela miséria de seu guru ( Humboldt ) um autor alcoólatra/ anti-sistema, que foi seu mestre e seu descobridor. Mas o livro ainda encaixa histórias sobre a cidade de Chicago, sobre máfia, sobre jogo, sexo, mulheres tirânicas, vítimas e muito mais. É hilariante, e é um pesadelo. Não é a toa que Paulo Francis dizia ser Bellow o criador da atual literatura sobre a loucura urbana. Todos em Bellow são loucos. E ninguém percebe isso, pois são loucos também.
O livro tem a mesma ação doida de filmes como WONDER BOYS ou BARTON FINK. Tem clima de carrossel descontrolado. Mas é só o clima. O livro é obra de arte refinada, revisada, lapidada, de mestre. Saul Bellow acima de tudo sabe escrever. E escreve sem medo nenhum. Seu texto é como carruagem sem freio. Ou melhor : é como Chicago, cidade que destrói a sí mesma sem parar. Se engole. Texto faminto.
É pura perda de tempo ler outro autor atual sem conhecer Saul Bellow. Nossa cidade é a cidade em que ele escreveu, nossa vida é a que ele descreveu, e nossa loucura é a observada por ele.
O LEGADO DE HUMBOLDT é um maravilhoso e delicioso presente que foi deixado para nós. Além do que, ler Bellow dá uma vontade doida de escrever muito, escrever bem, escrever melhor. Bellow É o cara!