O EQUILIBRISTA

O cara costuma ser barrigudo. Uma cara de tédio, misturada com um ar de superioridade. Olha tudo como se tudo fosse um nada. É o cara que adora dizer, alto e estridente, que rock bom era feito até 1971, 72, talvez 73. Ele me irrita. Ignora o punk, ignora o movimento de NY-79, pior ainda, ignora o rap e a música eletrônica. Esse cara só aprecia quem "toca bem". Mas me irrita também aquele cara que pensa que tudo começou com a mtv. Acha muito e nada sabe. É magrinho e tem idéias esqueléticas. Sabe tudo o que aconteceu de 1995 pra cá, e o passado lhe é tão vazio quanto seu cérebro. Chega a dizer asneiras como : os Beatles só venderam tanto porque não tinham concorrência!!!! Ele confunde o fato de não conhecer os concorrentes dos Beatles com a idéia de que eles não existiam... modo de raciocinar mais infantil não há. Os Beatles cresceram exatamente pela concorrência brava. Tiveram que bater as bandas de Liverpool, depois as de Londres, e a América ( onde ainda vendiam Sinatra, Bennet, Elvis, Ray Charles e os novos, tipo surf bands, os negros da Motown, da Stax e os intelectuais do folk e do jazz ), foram acossados depois pelos hippies, pelos psicodélicos, pelo bubble-gum e pelo country. Mas o esqueleto acha, mal informado, que só existia Stones, Beatles e um imenso nada...
Idéia tão tola como a do gorducho amante do rock do "bom", que acha que rap não é música e que para fazer eletro basta apertar um botão !
Sou do contra e me equilibro entre os dois. O esqueleto acha que sou "do passado", por não me empolgar por bandas que nada fazem que eu já não tenha escutado. Pensam que sou passado, mas não percebem que o que não gosto É EXATAMENTE DE NOVAS BANDAS QUE CHEIRAM A NAFTALINA ! Já os gorduchos me acham tolo. Pois não comungo com eles no amor a quem toca bem. Odeio tudo que cheire a Jazz-rock e progressivo, e não me anima o blues técnico. Ficam abismados quando falo que adoro rap e pior, quando falo que Bowie, Lou Reed e Bryan Ferry são gênios. Pior que tudo : amo os Kinks, os Faces e o Velvet. Eles nada entendem...
Também não me dou com a menina de óculos e cabelo à Louise Brooks, que pensa que todo cinema bom é em preto e branco. Ela olha os desenhos animados de hoje ( e de ontem ) com desprezo e filmes de aventura lhe são insuportáveis. Ama filmes densos, dificeis, raros. Ela não entende como posso ser fã de Dumbo, do Patolino, de Bruce Willis e de Will Smith. Lhe pareço falso.
Mas também não me dou com a loura produzida, que estuda publicidade ou arquitetura, e que" a d o r a" tudo que é novo e "moderno". Essa confunde arte com padaria e julga filme como se julga pão quente : bom é o que saiu do forno agora. Suas referências se encerram em 1991, pensam que Spielberg inventou o cinema. Para elas sou um rato de cinemateca.
Adoro me equilibrar assim, no fio estreito, mas que na verdade é um mundo largo : onde o gorducho só percebe solos e vinil, eu percebo além, percebo beats e grafitis; onde o esqueleto só ouve musiquinhas e modinhas, eu escuto décadas de invenções. Ela, com seus cursos de filosofia da arte, só quer assistir o histórico filme do diretor obscuro da Islândia, mas eu assisto todas as cores e todas as histórias; e a lourinha, com suas sainhas de Paris, quer ser a primeira a ver o novo ganhador do prêmio dourado, eu, quero rever o antigo campeão que não se esquece.
Enquanto o Corinthiano detestar o Palmeiras, eu defenderei a importancia do verde; e quando o porco atacar o Timão, eu irei falar dos méritos de um time alvi-negro. Ataque a Argentina que eu te falarei do futebol de Di Stéfano e Maradona; desmereça o Brasil que eu idolatrarei Zico e Rivaldo.
Não estarei no meio-dia e nem na meia-noite : meu horário é seis e dezoito. Odeio aglomeração de edificios, mas não suporto a floresta : meu lugar é o suburbio. Nada de São Paulo, nada de Amazônia, sim para a Serra do Mar e Santos : selvagem pero no mucho, grande, mas pequeno.
Discutirei com você, se insistir em defender Fidel e Che; mas também discutirei se defender Bush e Berlusconi; falarei da cultura inglesa se for um francófilo, e se você for amante de Londres, demonstrarei a maior profundidade da França em comparação a Grã-Bretanha. Se a igreja católica for extinta, me tornarei um cruzado; se os católicos perseguirem ateus e judeus, serei um erege.
Não sou Robin Hood. Defendo somente a mim mesmo, minhas idéias. Talvez resida aí minha profunda comunhão com este século : PERCEBO QUE TUDO É PROFUNDAMENTE RELATIVO, que nada é absolutamente certo, e principalmente, nada exclui nada. Que procurar o equilibrio é viver no meio, não vestir camisa de time nenhum, dizer sempre a palavra : porém.....
Nada pior que o fã de Joyce que tenta te explicar o porque dele ser tão genial, e nada pior que o cara que não consegue ler Joyce e diz então que Joyce é uma merda. O pintor que não sabe desenhar e imita Pollock pobremente, e o desenhista habilidoso que nada sabe criar e desdenha de Klee por ser " só rabiscos."
Entre Freud e Jung eu fico com Kierkgaard, e entre Nietzsche e Kant eu fico com Montaigne. Mas se atacarem Freud e Kant irei os defender.
Na verdade minha posição é solitária, pois bastam dois concordarem para que eu defenda o terceiro ausente. Em meio a brancos racistas me torno negão, e se um negro diz que só negros sabem fazer música logo discuto Mozart e Bach. Sou chato pra caramba !!!!!!! Isso é que sou. Mas eu adoro ser assim!