brilhante, feliz, exultante: TOM JONES de Richardson

Sim meus meninos. Eu espero a trinta anos para poder assistir TOM JONES, este famoso e sumido filme de 1963, que venceu, mesmo sendo 100% inglês, os principais Oscars daquele ano ( filme, direção e roteiro ). Albert Finney infelizmente perdeu para Sidney Poitier, mas depois eu falo disso.
Você sabe que quando a gente espera tanto tempo por alguma coisa a chance de se decepcionar é enorme. Mas hoje tal coisa não aconteceu. Finalmente saiu o dvd e finalmente pude ver o tal filme. A única tristeza foi a de não ser uma versão restaurada. Mas vale!!!
Nesse tempo todo eu pude ler o livro de Henry Fielding. É de 1749 e é um dos livros chave do nascimento do romance moderno. Pois o romance precisou ser inventado, não pense que o homem sempre fez romances. Livro era coisa para religião, história, filosofia e poesia. Talvez DOM QUIXOTE já fosse um romance, mas isso é discutível. De qualquer modo, o livro é aquela coisa típica de seu tempo. É livre, picaresco, sensual, muito fantasioso, e crítico. Delicioso. E infilmável por sua abrangência.
Tony Richardson resolveu tentar. Ele era um jovem diretor da moda, no auge da fama, na Londres em seu último apogeu. Deixe eu dizer : deve ter sido super ter 20 anos na Londres de 63. Sabe como é... Beatles, Stones, Kinks, Who, Yardbirds, Them, Pretty Things, Small Faces, Mayall, Spencer Davis. As minissaias, Carnaby Street. Você tinha o melhor teatro do mundo, a melhor poesia, os pintores mais quentes, e os romancistas mais interessantes. Tudo estava em Londres!!!! E ainda ganharia a copa do mundo de futebol em 66 ! E no cinema você tinha acabado de criar o mais famoso herói do mundo ( Bond ), possuía os melhores atores e agora ( chorem franceses ! ) tinha diretores como Anderson, Reisz, Schlesinger e Boorman. E este Richardson, este jovem irado, que chamou então John Osborne para escrever o roteiro. Pra quem não sabe, Osborne era ao lado de Pinter, o grande nome do novo teatro. O roteiro deste filme é a tradução, moderna e bem-humorada, da Inglaterra de 1749, e da Grã-Bretanha de 63, a ilha que ainda tinha Jim Clark e George Best. ( Um escocês e um irlandês. Mas faziam parte da cena ).
O filme é uma ode à juventude. Ele brilha em exuberância, em alegria de viver. É profunda e absolutamente feliz. Seria impossível de ser feito hoje; tanta alegria ingênua nos ofende.
Há uma famosa cena de caçada que realmente merece toda sua fama. Nos sentimos dentro da caça e percebemos que os atores realmente se divertem com ela. Aliás, Richardson joga tudo para nos divertir. O filme tem uma profusão de cenas de brigas, duelos, namoros eróticos, correrias, fugas e bebedeiras. A câmera, às vezes trêmula, usada na mão ( achaste que fosse invenção recente ? ), às vezes voando em avião, outras correndo em trilho, em closes, em panorâmicas. Certas imagens são congeladas, e em outras os atores falam conosco. E tem uma maravilhosa cena em que Tom e uma mulher comem à mesa se seduzindo, porca e desajeitadamente, que vale seu Oscar. Aliás, esqueça os bonitinhos filmes de época, geralmente feitos com Kate Winslet ou Keira Knightley. Este filme se aproxima do que deve ter sido a vida em 1749. Ele é sujo, exagerado, desajeitado, obcecado por sexo e deliciosamente despudorado.
Tom é Albert Finney, ator da brilhante geração de Peter O'Toole, Terence Stamp, Sean Connery, Michael Caine, John Hurt, Alan Bates e Peter Finch. Formado na tradição teatral britânica ( muito jovem o ator já enfrentou de Shakespeare a Shaw, de Wilde a Beckett ), Finney passa uma coisa muito difícil para quem já tentou atuar : felicidade de se estar atuando. Ele flutua em cenas burlescas, passa todo o filme sendo chamado de "belo" e comendo todas as mulheres, mas nunca o vemos como vaidoso ou maldoso, Finney cria um personagem que é feito de jovialidade, alegria e fé em sí mesmo. Representa a jovem Inglaterra, ainda virgem do cinismo enfadonho de 1880.
Você, jovem imberbe, deve conhecer Finney do filme que deu o Oscar a Julia Roberts. Ele era o advogado que a ajuda. Esteve no policial de Lumet, aquele do ano passado. Fez o tio boa-vida de Russel Crowe no ruim filme de Ridley Scott. E principalmente : Albert Finney foi o pai, que nada mais é que um Tom Jones ancião, no Peixe Grande de Tim Burton. ( E agora eu percebo que Burton o chamou como homenagem a seu Tom. )
Mas o filme tem mais. Hugh Griffith como o chacareiro vizinho, sempre às voltas com suas caçadas, seus bichos e seus palavrões; tem a histórica Edith Evans, aquela que Olivier considerava a maior atriz da história, com cenas e frases de uma comicidade irresistível. Ninguém, jamais, pronunciou a língua inglesa como ela. Sua presença é solar. Mas há ainda Susannah York, a linda Susannah, atriz com quem eu queria casar aos 12 anos. Ela é tudo o que imaginamos que deva ser uma heroína de romance.
E então, após um milhão de voltas, de idas e de outras idas, o filme termina como deve terminar. E eu penso, após três décadas de espera, que se eu tivesse visto o filme aos 12 anos, ele teria sido meu filme favorito por muito tempo.
O que me resta é agradecer ao inventor do dvd.
Se você for assistir este filme já lhe aviso : não é arte. Guarde a arte para os artistas. É um filme para se divertir, para se admirar, para sorrir. Para gostar dele é preciso apenas uma coisa : um espírito leve e jovial. Eis um filme que se fosse gente eu chamaria de amigo. Prazer o conhecer.