O japão tentou se firmar no ramo de grandes magazines com as lojas Yaohan. Na inauguração até disco com o hino da loja eles deram. Tinha 3 andares e um playground no teto. No melhor Natal da história, meu irmão, um precoce, aos 9 anos ( inacreditável ) comprou Diamond Dogs. Eu, careta radical/ romântico melancólico, fui de Caribou, do Elton John, disco que tem ainda, a pior capa da história.
Uma criança de 9 anos escolher Bowie é fantástico. Mais fantástico é adorar o disco ! E na verdade, até o romântico/ caretão adorou mais os Dogs de David que o Don´t let the sun go down on me de Elton. Velvet Goldmine é biografia de uma estranhíssima geração.
Primeiro a capa. A primeira vítima do cd foi a capa de disco. Antes pensada em termos de pintura, de poster, de tela. Com o cd, tornou-se embalagem, maço de cigarros, envelope de carta. Como aconteceu com o cinema, que com o vhs deixou de ser pensado imenso e se tornou tela de tv, cheio de closes, uma pessoas filmada por vez e com poucos planos gerais. Pequeno...
Pois a capa de Diamond traz Bowie, muito andrógino, travestido de homem-cão, homem-besta e pelado. A capa é em sí um manifesto, mas o mais inteligente astro da história do pop, o mais culto e o maior dos aproveitadores, traz aqui um disco pesadelo, uma ópera do apocalipse, um disco dark e gótico, mas acima de tudo : muito rock'n'roll.
Sons absurdos de synth e o artista narra um futuro onde cães de diamante comem pessoas. Uma platéia fake ( tirada de um show de Gary Glitter, logo quem...) anuncia : isto não é rock'n'roll, isto é genocídio ! _ _ Pois em 1974 Bowie já anunciava a morte do rock, coisa que ele reafirmou pelos anos, muitos, seguintes. Só não acreditou quem não desejou saber.
A primeira é Diamond Dogs. A música, um rock tipo Stones, porém com guitarras fora de tom, barulhos dissonantes de fundo e letra de fim do mundo, não entrega o que será o disco. Pois a segunda faixa, Sweet Thing, é que mostra a que veio : melancolia glitter, arranjos que são de uma riqueza sinfônica, e Bowie cantando como nunca cantou. A música cresce como fogo entre ruínas, tem uma outra melodia dentro de sí-mesma, e volta num fim que é de uma complexidade espantosa. Após um minuto de ritmo sem sentido e hipnóticamente sexy, vem Rebel. Rebel.
Eu poderia escrever um livro sobre o que essa Rebel, Rebel significa. Ela anuncia as décadas seguintes. Tem um riff digno de Keith Richards, mas não faz parte do mundo de pirata cigano do deus stoniano. Rebel, Rebel é o que Oscar Wilde faria se nascido cem anos mais tarde, ou o que Lou Reed teria feito se fosse ´fã de Wilde. Na letra a frase : " quando você nasceu seu pai não sabia se você era menino ou menina... rebel, rebel, eu amo quando você dança... " A música anuncia a geração ( simbolista, bando de Wildes, Pessoas, Rimbauds ) que não se definiria mais. Os indefinidos, que jamais saberão ( e não querem saber ) se são caretas ou loucos, homens ou mulheres, idiotas ou geniais, bons ou maus. Felizes por serem tristes ou infelizes pela alegria.
A segunda parte do disco enterra de vez o rock'n'roll.
Rock'n'roll with me não é um rock. É uma melancólica balada de amor onde Bowie entrega uma de suas referências : Jacques Brel. Pois Bowie ama o pop romântico nada rock de Brel, de Dietrich, de Piaf e de Gainsbourg. Depois...We are the Dead. Tétrica e linda, com arranjo de sutileza imensa ( o disco todo é rico. Sons de synth, saxes mal tocados, percussõa que vem e desaparece e as vozes, afinadíssimas, de Bowie, triplicadas por mil ). We are the Dead é a filosofia de David : o que na voz de outro seria dor e desespero, com Bowie, inteligente demais para levar algo a sério, é comentário frio- discreta descrição.
1984 descreve, em ritmo de dança, o futuro. Que veio, acabou vindo, com vinte anos de atraso.
E nasce então Big Brother. Bowie foi acusado de nazista por falar a verdade na letra : " Você precisa de alguém para te liderar/ de alguém para seguir/ alguém que te domine/ você quer um big brother..." Melhor retrato de nossa era é impossível. Hoje, as pessoas pagam para serem comandadas, dissecadas, expostas, ridicularizadas, vendidas, desumanizadas. O som é de pesadelo de zumbidos, synths em sonho barroco, apocaliptico desbunde. O disco se encerra em frenesí de umbanda branca. Voodoo.
Diamond Dogs foi o primeiro objeto de arte com o qual tomei contato. Como os macacos em 2001 diante do monolito, em Dogs se anunciava tudo aquilo que eu iria amar por toda minha vida. Mais que um disco, Diamond Dogs é retrato de um mundo de absoluta confusão, de loucura. E é manifesto da genialidade do maior dos "gênios" do rock'n'roll. Bowie sempre soube tudo. Diamond Dogs é completa genialidade erudita.