primavera de poesia- stevens, heaney e auden

De todos os autores que recentemente ganharam o Nobel, creio que nenhum se tornou menos conhecido que Seamus Heaney ( prêmio em 1995 ). Esse poeta irlandês ganhou o Nobel muito cedo em sua vida, precipitadamente, e permanece tão pouco lido como o era antes da honraria suéca. Talvez o motivo seja o próprio fato de ser poeta. Derek Alcott também venceu nos anos 90 e está ainda mais esquecido. Pois Heaney é um bom artesão da palavra. Fala sobre a terra úmida da irlanda, sobre sinais de tempo, a mudança das eras, o simbolismo da ruína. Longe de ser um gênio, e às vezes exagerando numa realidade "real" demais, ele deve ser lido por aqueles que pensam erroneamente que a poesia não cabe mais neste universo tão pé no chão. Heaney é pé no chão. Adora descrever minerais, raízes, solos, pântanos. Sua poesia é sólida.
Menos sólido é Auden, um não premiado inglês, mas de longe, o mais lido dos três. Auden foi moda nos anos 30/40 e viveu até os anos 60. Fez parte da boa geração de poetas ingleses que teve além dele, Spender e Day-Lewis ( pai do ator ). Políticos ( todos foram radicais de esquerda, embora Auden se tornasse mais conservador com a idade ), Auden tem o dom da mais refinada musicalidade, do brilho que jamais se torna brilhareco e de criar versos que grudam na mente, que são cheios de beleza, mas nunca de pieguice. Auden é obrigatório para quem gosta de poesia. É um dos grandes. Permanecerá. Mas não é gênio.
Gênio é Wallace Stevens. Gênio puro, gigantesco, titânico.
Pouco, muito pouco conhecido fora dos países de língua inglêsa, é considerado por autores e críticos o melhor poeta do século vinte, superior a Eliot, Pessoa, Lorca, Rilke ou Neruda. Seu único igual seria Yeats, mas Yeats não é bem século vinte, apesar de ter morrido só em 39, Yeats tem espírito típico de 1890. Para mim, Yeats fora, Stevens tem como rival apenas Eliot, e talvez Fernando Pessoa. E como os dois citados, Stevens não parecia poeta ( e quem parece poeta ? Só os charlatães se parecem com poetas. Eles usam o molde Byron-Shelley-Keats até hoje. Excessos, sofrimentos e rebeldia, a imagem apropriada pelo rock ).
Wallace Stevens nasceu em família rica do leste americano. Trabalhou em firma de seguros na qual se tornou vice-presidente. Foi casado com uma única mulher que tinha sérios problemas mentais. Jamais viajou a Europa e não frequentava escritores. Esnobou a fama e sua única diversão era jantar em bons restaurantes. Tinha a aparência de um executivo e era frio e formal. Mas escrevia, nas horas livres, como um mestre. Tinha o talento, raro, de escrever racionalmente sobre o inefável. De tocar o eterno com ferramentas lógicas, voar às alturas sem nunca perder o controle. Viveu 79 anos, até 1955. Já era cultuado em vida, mas nunca foi uma estrela. Não queria. Poesia era para ele um compromisso sério. Consigo mesmo.
POR QUE LEGAR AOS MORTOS O QUE É SEU ?
O QUE É DIVINO, SE SE MANIFESTA
SÓMENTE EM SONHOS, SOMBRAS SILENCIOSAS ?
POR QUE NÃO ENCONTRAR PRAZER NO SOL
NO ODOR DAS FRUTAS, BRILHO DAS ASAS VERDES,
EM QUALQUER OUTRO BÁLSAMO TERRENO,
TÃO CARO QUANTO O PRÓPRIO PARAÍSO ?
É NELA QUE O DIVINO HÁ DE VIVER...

Tudo em Stevens tem essa valorização do simples, do cotidiano, da vida agora, um agora que é atemporal.

TENS DE VOLTAR A SER IGNORANTE
E VER COM OLHO IGNORANTE O SOL
E VÊ-LO COM CLAREZA EM SUA IDÉIA.
JAMAIS SUPONHAS UMA MENTE INVENTIVA COMO FONTE DE IDÉIA
NEM CRIES PARA ELA UM SENHOR VOLUMOSO ENVOLTO EM FOGO.

Estes são versos de "APONTAMENTOS PARA UMA FICÇÃO SUPREMA", o único poema comparável a "QUATRO QUARTETOS" de Eliot. Um poema que mostra, em imagens de suprema elegância e aterradora beleza, o segredo e o abismo da vida. Mas há mais...

SEMPRE PODE HAVER TEMPO DE INOCÊNCIA,
NUNCA LUGAR. OU, SE TEMPO NÃO HOUVER,
NEM POR NÃO SER COISA DE TEMPO NEM LUGAR,

EXISTENTE COMO IDÉIA APENAS, CONSCIÊNCIA
QUE REPELE O DESASTRE É MENOS REAL.
PARA FILÓSOFO O MAIS VELHO É GÉLIDO,

HÁ OU PODE HAVER TEMPO DE INOCÊNCIA
PURO PRINCÍPIO, CUJA ESSÊNCIA É SEU FIM....

Em sua fase final, Wallace Stevens nos diz:

... E NO ENTANTO NADA MUDOU ALÉM DO QUE É IRREAL,
COMO SE COISA ALGUMA TIVESSE MUDADO.

Nada define melhor o que é a genialidade, que a capacidade de dizer com objetividade aquilo que nós não sabemos "já saber". O gênio é um farol que dá luz às rochas e recifes que sabíamos estar lá, mas que não poderíamos ver sem sua luz.
Wallace Stevens é um gigantesco farol. O mundo ansia por sua luz. Ele hoje me vicia, fala aquilo que creio, conversa comigo ao sol. Existe maior elogio a um escritor que este ? Ele conversa comigo revelando a mim mesmo o que não conhecia sobre eu. Stevens, que eu lí em 2000 pela primeira vez e entendí pouco, se mostra à mim inteiro, agora, em 2009. Neste começo de estação que me promete vida livre e nobre, compreendo tudo o que ele diz. Seu amor ao sol, às plantas, aos dias que passam, a tudo que é real. "E o que é real nunca muda."
Wallace Stevens é real. Sólido e superior a quase tudo que há para ser lido. Compreendeu a vida, profundamente. Entendeu que um paraíso onde os frutos não se tornassem podres e onde tudo fosse para sempre vivo, seria o pior dos pesadelos. Ele compreendeu que o que entendemos do homem e da vida é ficção. Que o real nos é interditado. E acima de tudo, ele revelou o sentido da poesia, única língua que ilumina a verdade e que fala como o sol, a grama e o mar falam. Pois são eles que falam a verdade.
Lerei e relerei Stevens pelo resto de meus dias. È bálsamo, é quente, é pra sempre.