PARA ENTENDER O CINEMA

Críticos ( os melhores ) costumam dizer que existem 3 gênios-santos no cinema. Diretores que são uma espécie de monge. Seus filmes não se parecem com os filmes de ninguém, e têm o hábito de jamais fazer concessões e sempre filmar com a humildade e a reverência de quem ora. Seus nomes são Robert Bresson, Yasujiro Ozu e Carl Dreyer. Consegui desvendar o segredo de Ozu logo de primeira assistida. Ozu é o amor. Tudo nele revela compreensão, perdão, simpatia pela vida de todos. Seu cinema é um ato de compaixão. Dreyer é um pouco mais dificil. A maldade, para ele, comanda o mundo. Mas a santidade também existe. Seu cinema, louco, é um testemunho de quem viu o inferno. Tudo nele é crispação, extase, fanatismo. E Bresson ? Ele filma como um holandês de 1640 filmaria. Seu cinema crê na razão da fé. Tudo é austero, simples, comedido, seco. O cinema de Bresson é severo.
Aproveitando essa deixa, falo dos gênios-terrenos, dos gênios de nosso mundo. Tento com simplicidade e concisão, transmitir a chave de seu dom.
Lubistch é a leveza, a elegância, o prazer de se viver em meio às pessoas.
Hitchcock é o mestre em nos domar. Faz com que sintamos o que ele deseja. Hipnótico.
Ford é o gigante. Ele é o grego. Tudo nele é mito, seus personagens são deuses. Arquétipos.
Hawks é corajoso. Nada acontece em seus filmes. E são aventuras! Hawks é o mestre do natural, do não forçado, da camaradagem. Ninguém retrata melhor a amizade.
Wyler é o Dickens do cinema. Ele conta a história. Ele é um velho à fogueira.
Wilder é o mais pessimista dos diretores. E faz rir. Um elfo. Cheio de mal gosto.
Fritz Lang é o rei da escuridão. Da maldade. O mundo para ele é ruim, podre, um pântano. Mestre do sexo como poder, da corrupção, do quarto escuro.
Murnau é um músico. Seus filmes fluem como som harmonioso. Tudo é brilho em suas imagens, e estranhamente, seu tema é sempre a derrota.
Finalmente entendi Renoir. Seu dom secreto é sua extrema juventude. Filmes feitos ao sabor do improviso, à mando do prazer de filmar, ao quase acaso. Para se amar Renoir, é preciso se ter o espírito jovem.
Carné é o gênio do texto. Ele é um pintor barroco, um arquiteto da renascença, um colorista do fascinante, mestre do retrato gigantesco.
Ophuls é o poeta do detalhe. Seus filmes são como cantos de passarinho. Delicados bonecos de porcelana, são filmes que já nasceram arcaicos e clássicos.
Visconti é para espíritos vastos. Ele faz óperas sobre a decadência. Grande como o sol, ofusca aquilo que é pequeno. No seu mundo só a nobreza existe.
Fellini filma rostos como ninguém. Ele ama a vida e mostra esse amor imenso em seus filmes. Tudo lhe interessa, tudo lhe dá prazer. É o cineasta-gênio do amor à vida. Glutão de música, de mulheres, de ruas e dos rostos expressivos. Ele é o excesso. De criação.
Bergman é o oposto de Fellini. Ele teme e odeia a vida, mas ao vociferar contra a existência, cria beleza e nos inspira. Cineasta da beleza feminina, ninguém entendeu melhor a mulher.
Huston é o macho. Seus filmes vão sempre ao limite e beiram o ridículo. Ele nada teme, o que deseja, faz. Diretor para Homens, para rebeldes, para os inconformados.
Kurosawa é o bruxo. Pega peças de barro, as dispõe em seu tabuleiro e lhes dá a vida. Seus filmes nos cercam, capturam, sitiam. Mestre da ilusão, do encantamento, e da epopéia.
Kubrick é o cérebro. Filmes feitos de pensamento, de indagações, de questionamento.
De Sica é a criança. Ninguém as entendeu melhor. Tudo nele é crença, maravilha, desilusão, dor, alegria, simplicidade e ingenuidade. Vittório é o ingênuo.
Para entender Godard voce precisa estar apaixonado por filmes. Ele é o cara que pode fazer tudo. Todos os dons convergem nele. Mas, mimado, ele joga esse brilho no lixo. È o jogador.
Mais gênios ? Claro que existem outros. Bunuel, Pasolini, Coppolla, Scorsese ( talvez ), Resnais ( talvez ), Altman, Cocteau, Mizoguchi, Chaplin, Stevens ( talvez ). Mas falarei de Powell...
Michael Powell é o gênio do espírito britãnico. Tudo é sub-entendido, tudo tem dupla intenção. São filmes pretensiosos ( não em intelecto, pretensão quanto ao "gosto" ). São jóias sublimes do sentimento secreto, da poesia íntima. Um titã.
David Lean é Homero. O modelo básico para todo filme grande-gigantesco. Domador de multidões, perfeccionista perfeito, foi o ourives do horizonte. Um leão.
Von Sternberg foi para mim, um gênio. O mais rococó dos cineastas. Seus takes têm um milhão de detalhes. Mestre do erótico, do cafona, da perda de senso. Um fatalista.
E Buster Keaton. Que foi só prazer. O prazer de se olhar para Buster, de se ver Keaton. Um amigo-mestre.
E um dia falarei de Tati, de Ray, de Saura, de De Palma, de Antonioni, de Clair...Mas não agora....Pois ainda existe Lewis, Whale, Allen, Donen, Minelli, Zinemann, Welles, Wellman...
Maravilhosa arte, com suas comédias dos irmãos Marx, seus Tarzans, seus Star Wars. Os policiais noir, os filmes de gangster, as aventuras de Errol Flynn. O faroeste de Boeticher e de Anthony Mann, existe William Powell e Cary Grant, os musicias- Fred Astaire que só pode ser Fred Astaire...Cinema da beleza inencontrável- de Grace Kelly, Cyd Charisse, Myrna Loy, Anna Karina, Maureen, Julie, Sophia, Harriet... de Dumbo, de Pinóquio, de Wall.e, de Bugs Bunny e de Tim Burton. Dos irmãos Coen, de Tarantino e de James Bond. Arte morfina, arte anti-tédio, arte do lixo e do refinamento.
Mais que de gênios, mágica de feiticeiros, poemas de aventureiros ( Walsh, Vidor, Sturges ), esculturas de bucaneiros ( Curtiz, Peckimpah, Leone ). Inesgotável paixão.........