gore vidal, um ensaísta

DE FATO E FICÇÃO de Vidal. Foi lido na década de noventa. O emprestei para alguém que jamais o devolveu. Agora releio esse delicioso livro.
Gore Vidal tem um modo malicioso de escrever, sem papas na língua, sem nove horas. Ele vai direto ao ponto e mesmo assim jamais parece reles ou estúpido. Ele é suave e gentil e ao mesmo tempo duro e incisivo.
Ensaios sobre escrita, cinema e politica : tudo aquilo que ele entende. Entende por ter sido roteirista, politico e um belo autor de prosa e de dramas teatrais.
Scott Fitzgerald é para ele um chorão. Um autor que tem apenas dois ou tres bons contos e apenas um belo livro : Gatsby ( que mesmo assim sofre de absoluta falta de humor ). Gore ve em Scott o mesmo que em Heminguay : autores que devem sua fama ao que foram e não ao que escreveram. Ele alerta que com o avanço do pensamento científico, só o que é de verdade e não inventado importa, e portanto, a vida que um escritor viveu é mais importante que sua obra. Ou seja, nesse mundo pseudo-científico-útil, Heminguay/ Jack London e Steinbeck são mais relevantes que Proust/ Flaubert, Joyce, o que se trata de um absurdo.
Fitzgerald foi roteirista em Hollywood, onde ao contrário do que diz a lenda, ganhava muito bem e nada produzia. ( Huxley, Faulkner, Greene e Dos Passos também foram. )
Depois Gore escreve sobre Edmund Wilson, o melhor ensaísta que a América já produziu. Um grande bebedor de gim ( e Gore alerta sobre o fato de que toda essa geração foi chegada a litros e tonéis de álcool ruim ), e um homem que provou um erro de Freud : Wilson criava muita ficção e crítica e tinha uma imensa vida sexual ativa. Edmund Wilson trouxe às letras americanas os nomes de Verlaine, Yeats, Proust, Flaubert. Viveu até os 75 e era um ferrenho esquerdista ( num tempo em que ser de esquerda exigia coragem, hoje exige cara de pau ).
No terceiro capítulo, Vidal fala sobre Christopher Isherwood. Um ingles que viveu na Berlim pré-nazismo, tipo 1930/35. Um grande estilista que em seus contos descrevia de forma bela e contundente a vida boêmia desse momento único na história. Hordas de americanos e ingleses bem de vida iam à Berlim, onde conseguir um amante homossexual proletário era muito fácil. Nunca existiu um lugar com tal concentração de Homos/ Bis e travestís.
Isherwood foi amigo de Huxley e também escreveu para cinema ( inclusive Hitchcock ). Vidal aproveita para discorrer sobre a perseguição nem tão sutil que autores gays sofriam/sofrem.
O capítulo sobre cinema. Traz uma questão que todos nós nos esquecemos de fazer : afinal, o que faz um diretor ?
Estamos tão condicionados ( desde a Nouvelle Vague- pois foram Godard e Truffaut quando jornalistas que criaram essa crendice ) a ver o diretor como deus que não mais pensamos naquilo que ele realmente faz. Vidal, que esteve lá, conta que o poder do diretor acabou no cinema mudo, época em que imagem era tudo. Quando o cinema começa a falar, Hollywood chama a peso de ouro os melhores escritores e o roteiro passa a ser coração e alma de um filme. Gore Vidal cita Kurosawa, único grande cineasta que teve a humildade de confessar : " um grande roteiro dirigido por um cineasta ruim ainda pode se tornar um bom filme. Mas um roteiro ruim dirigido pelo melhor dos diretores ainda será um filme ruim ".
Diretores/ roteiristas ( Huston e Wilder ) podem ser considerados donos de um projeto, mas devemos sempre entender que um direor pega o projeto já desenvolvido. Atores escolhidos, fotografia, data de estréia, quem fará a montagem.
O livro ainda discorre lembranças sobre Tennessee Willians, outro grande chorão.
Depois temos Louis Aunchincloss ( autror que deveria ser melhor lido ) e um belo capítulo que anuncia o fim da leitura. No futuro todos lerão só o que é útil/ comprovadamente saudável e que garante ser vida real- ou seja- biografias exemplares.
Há um texto sobre Mishima e que me fez recordar como o mundo enlouqueceu por volta de 1970. Mishima, o mais famoso escritor japonês ( não o melhor ) se suicidou praticando seppuku após discursar na tv contra a presença americana na vida do Japão. Um general, por pedido expresso do autor, decepou sua cabeça e a exibiu no alto da torre da tv de Tokyo.
Mishima era um raDICAL de direita que cultuava o corpo. Para ele, a beleza da alma estava na beleza do corpo. Segundo Vidal, ele se mata aos 45 por não querer viver a queda desse corpo pela idade. ( Gore é informado o bastante para nos alertar que no ocidente o suicidio é ato de desespero, no Japão é uma escolha livre. Ato de afirmação. )
Daí temos uma critica àquela turma tão em moda nos 60. Autores franceses que iriam destruir o romance e criar o romance do futuro : romances sem tempo, sem personagens e sem enredo. Deram com os burros na água.
Depois um perfil de Teddy Roosevelt, o presidente dandy que meteu os americanos em guerras vergonhosas e da qual o país paga o pato até hoje.
E vem um maravilhoso texto que fala do ódio que as mulheres devotam aos homens. Ódio que nasce da escravidão milenar pela qual elas passaram. Vidal previu em 61, que a liberação feminina faria com que a vingança viesse : chifres aos milhões, desprezo pelos apaixonados, sexo por sexo, descartabilidade masculina e mulheres de 60 com garotos de 18.
Afinal, durante cinco milenios elas foram a serpente, a bruxa, a danação, a fonte da doença e um animal procriador. No final do livro, um dado :
Talvez, Darwinisticamente, estejamos nos preparando para o fim da vida. Estamos deixando de nos procriar, nos tornando mais homos e menos interessados, estamos nos enclausurando na virtualidade da droga e do sonho ( e hoje no mundo virtual em sí ). Tudo isso parece um fim de ciclo, fim de vida, inicio da despedida. É como se não mais valesse a pena crer na vida.