PEDAÇOS DE UM CADERNO MANCHADO DE VINHO - BUKOWSKI
Os caras liam Bukowski nos anos 80 e 90. Todo mundo lia. Todo mundo com menos de 30 anos. Hoje os wokes não detestam Bukowski porque não o conhecem. Ele não é machista. Não é violento. Mas parece ser. A escrita dele engana muito. Parece fácil escrever como ele. Tem um monte de escritor brasileiro da minha geração que acha que escreve como Bukowski. É um desastre, todo cara que imita Bukowski parece analfabeto. Eles pensam que escrever como ele é escrever como se fala. Não é. Eles não falam como Bukowski. Esses caras que pensam que escrevem como ele falam como o que são: filhinhos de papai tentando falar como gente que não é filhinho de papai. ----------------- Este livro, bem interessante é composto por restos. Textos que sobraram. Tem contos, críticas, crônicas. Tem até uma crítica sobre um show dos Stones em 1976. ( Ele acha chato. Elogia Bill Wyman, um ótimo profissional. Acha Mick desesperado. ). Bukowski amava música erudita. Alemão né. Ele achava rock sem surpresas. A música vai pra uma direção e chega nela. Não desvia, divaga, não cria vários caminhos como fazem os caras da música erudita. -------------------- Bukowski não gosta de Bellow, Updike, Mailer, Capote, Roth. Literatura de alta classe média. Gente nada interessante. Eu adoro Bellow. Gosto de Updike. Mas entendo Bukowski. O tema deles é sempre o mesmo. O homem de meia idade em crise. ------------------ Ele gosta de Heminguay. Turgueniev. Dostoievski. Celine. Bom....a vida dele voces conhecem. Pobre. Bêbado. Putas. Alguns dos textos aqui são muito bons. Outros menos. O encontro dele com John Fante é de chorar de tão triste. Tem um conto bem pornô. Bukowski é como um autor europeu. Tivesse vivido por lá  teria sido mais feliz. Mas ao mesmo tempo ele é tão americano!!!! Bom...é isso.
CASANOVA, O CONTÁGIO DO PRAZER ( UM TEXTO SOBRE UMA DOENÇA - JEAN - DIDIER VINCENT
Escrito em 1990, este livro conta por alto a história de Casanova, explicando sua vida pela via da doença. Não algum tipo de tara ou neurose, mas sim pela simplória gonorreia. A cada fase de sua vida Casanova adquiria uma nova gonorreia e ao cura-la se inaugurava um novo homem. Vincent, médico e biólogo, neurologista e químico, escritor também, tem uma certeza adquirida em labiratórios: a doença é útil. Precisamos dela pois é ela quem nos faz ser quem somos. Sem a doença, sem a dor, sem a convalescença, o homem não cresce. Nosso organismo é preparado para adoecer. É necessário estar doente. -------------------- Trago aqui então uma coisa minha: Fui vítima de longas gripes entre meus 12 e 35 anos. Garganta doendo, febre, dores no corpo. Meu nariz entupido. E afirmo que foi assim, enrolado em cobertor, cheiro de Vick Vaporub, que tive as minhas melhores leituras. Dentro da doença era como se minha mente se entregasse completamente aquilo que eu lia. Madrugadas espirrando e páginas lidas a luz de uma lâmpada amarela. A doença nos força a estar recolhido dentro de si mesmo. E nessa casa-mente, fixamos tudo aquilo que vivemos. ------------- Uma vida sem doença, sem esse recolher na dor física, é uma vida sem interioridade. É a vida fármaca do século XXI. Vida de analgésicos, de relaxantes, vida que abomina e foge da doença. ---------------- Apenas 3 anos atrás eu passei 7 meses doente. Uma asma insistente, logo acrescida de duas pneumonias, me deixaram dentro daquele mundo que eu conheço tanto: meu mundo. Me vi sentindo coisas que eu sentia aos 14, 17 anos; pensando como pensava com 18, 22 anos e tendo leituras produtivas como as tive nos meus 30. Não temo dizer que ao lado da dor, do medo, da dificuldade de respirar, havia aquilo que Vincent chama de "sensação de se estar realmente vivo". Me sentia inteiro, completo, vivo na doença. ---------------- Para quem nunca teve esse modo de ver a doença, este texto pode estar parecendo meio macabro. Haverá algo de bastante neurótico aqui. Mas veja bem: a neurose é uma das grandes doenças da mente e o seu portador sente, mais que ninguém, um estranho amor por aquilo que o dilacera. Ele está vivo. Dentro de seu problema. -------------- É um tema sem cura este.
MORRAVAGIN - BLAISE CENDRARS
Um homem, meio doido, psiquiatra, liberta um louco do hospital e juntos viajam mundo afora aprontando revoluções e masoquismos. Este livro, exagerado, intenso, febril, é uma bosta. Nada mais tenho a declarar.
O DIAMANTE DO MARAJÁ - ROBERT LOUIS STEVENSON
Proust gostava de Stevenson. Heminguay e Henry James também. Mas a partir de 1920, o escocês Robert Louis Stevenson passou a ser jogado fora. Como fosse um mero escritor juvenil, seu nome passou a ser excluído das enciclopédias. A Ilha do Tesouro, O Médico e o Monstro, toda sua obra se tornou literatura para crianças ou para adolescentes. Um sub Joseph Conrad. Um simples autor do nível de Rafael Sabatini. -------------- Conrad é considerado genial e Lewis Carroll, um autor também infantil, é muito bem conceituado. A partir deste século Stevenson renasceu. Hoje ele é levado a sério e só para voce saber, Borges era seu fã e Chesterton o elogiava sempre. ---------------------- Stevenson é um ótimo autor de aventuras, mas é também um autor de estilo. Ele escreve muito, muito bem. Neste livro ele demonstra habilidade, pois a narração é dividida em cinco partes, cada uma contando a mesma história mas sob pontos de vista diferentes e trazendo novos personagens. É um primor de escrita. Gente que parecia ser boa se revela ruim e atos que pareciam insignificantes se mostram cruciais. ---------------------- Temo que a revalorização deste autor se deva ao fato dele ter sido um defensor dos nativos da Polinésia. Doente dos pulmões, ele foi viver nas ilhas em busca de cura e assim tomou partido dos nativos. Provável que wokes o defendam por isso, sem o ler. De qualquer modo, ele merece ser lido e relido. 
CÈST LA VIE
Ansiamos por um prazer e quando o obtemos tememos o perder. A vida é dor e saber isso pode te ajudar a viver. Estoicismo? Sim. A vida toda tentei ser hedonista mas desde a infância, por causa de minha asma, eu soube que a vida era uma luta para respirar. -------------------- Sentimos dor todo o tempo e só não temos consciência disso porque, felizmente, nos distraimos. O prazer é a distração da dor. E do medo, pois também nos distraimos do medo através do trabalho, do amor, da arte, da filosofia. -------------- Olhe o mundo animal e voce vai entender o que falo. Para a caça viver é temer o ataque. Causa incômdo o olho de um herbívoro. Arregalado, ele está alerta o tempo todo. E o predador não foge dessa sina. Seu final será a fome de não poder mais caçar. A vida do predador é caçar até morrer. Uma guerra sem possibilidade de paz. Nós criamos a civilização para negar a dor. ------------------ Voce pode estar pensando: cara, voce está mal hein? E eu respondo, nada mais que o de sempre. Eu sou assim e já fui bem pior. Desde os 15 anos eu penso que o amor é uma distração da morte. E que não há nada mais doentio que escrever uma obra ou pintar uma carreira para tentar ser imortal. Um homem que passa oito ou dez horas por dia escrevendo tem algum problema, provavelmente uma radical negação da vida. ------------------ Mas não deixa de ser "bonito" e é aí que a coisa surge em seu mistério. ------------------- Pois eu tenho a absoluta certeza de que não é a religião, a arte, o trabalho ou a filosofia que nos redime ou que dá um sentido a tudo isto. É o  senso da beleza. A única coisa que justifica a dor é conseguir ver nela não um sentido ou uma expiação, mas sim a beleza que pode haver dentro dela. Eis o mistério do homem, bicho que para sua luta para olhar um amanhecer ou a beleza de um rosto. Pois é a beleza de um pensamento que dá dignidade à filosofia e é o senso estético de uma fé que constroi uma religião. Nada mais belo que a manhã em que voce olha as ruas após sair do hospítal. ----------------- Dizer. definir o que seria a beleza se torna assim fácil: belo é o que não nega a dor, mas faz com que ela seja suportável. Drogas, distrações, negam a dor, mas não são belos em si mesmas. O belo real é o que diz: Isto é um prazer mesmo em meio a dor. ---------------- E por amar a beleza paro por aqui antes que este texto se torne feio.
AMIZADE E POLÍTICA
Comunico-me hoje com um amigo que brigou comigo por causa de política. Não falarei como foi essa briga e nem qual foi seu motivo. O que importa é revalorizar o conceito de amizade, algo que hoje tem sido tão desaprendido. Nós somos ensinados a ser amigos. Não nascemos sabendo e temos pouca consciência disso. Nascemos sendo filho, e mais nada. Ser um amigo é ensinado pela vida ao ser vivida e observada. Parece-me que em 2025 temos sido ensinados a ser inimigos. ---------------- Quem me lê sabe que sou conservador pelo fato de ser um apaixonado pela cultura do passado. Tento a preservar. Esse meu amigo é um modernista não muito radical, mas como artista, ele é um esquerdista. Então porque consigo "entender essa amizade"? Por esforço. Simplesmente isso, por esforço. Um trabalho a ser feito pelo bem do compromisso de amizade feito a mais de 30 anos. A fidelidade a uma história. A Aquele que eu fui e aquele que ele foi. Pois durante mais de 30 anos, nada de político nos separou e se em 2017, na loucura do tempo, fomos adversários brutais, esse sentimento veio de fora e não nasceu dentro de nossa relação. A amizade é um mundo dentro de um mundo e deixamos a ira política poluir essa amizade. -------------------- Entenda, eu não estou falando de política na prática. Não falo de fazer acordos com adversários. Não falo do mundo do trabalho na sociedade. Eu falo da intimidade do ser. O atemporal. E lembre-se por favor, uma amizade quando real é atemporal. Se eu admiro um filme de Renoir, onde oficiais adversários convivem em respeito e honra, em camaradagem, não acho correto deixar que uma amizade seja destruída por ideologia ou compromisso social. ------------- Observe que não falo em moral. Jamais aceitaria um amigo que defende o assassinato, o racismo ou a mentira. A moral está diretamente ligada ao caráter e não há como travar conversa com um ser imoral. Mas ele é meu amigo, sua moralidade é a mesma que a minha, temos porém  fé em soluções diversas para a vida. É tudo. -------------- Este meu texto tenta lembrar que existe uma coisa na vida chamada civilidade e que se desfazer de todo amigo de esquerda é algo tão estúpido quanto esquerdistas calarem toda direita. NÃO PODEMOS JAMAIS ESQUECER QUE CADA SER É UM CASO ÚNICO E QUE ESTE MOMENTO HISTÓRICO QUER NOS FAZER CRER QUE CADA UM PODE SER UM INIMIGO. ---------------- Foi o poder, o super poder quem nos desuniu. E não foi por acaso. Se voce pensar bem, há algum amigo que voce abandonou sem atentar para sua particularidade. Volte a ter esse contato. Sem abrir mão do que voce crê. E por favor, se ele for uma pessoa decente, e creio que por ter sido seu amigo ele deve o ser, aceite tembém que ele não irá abrir mão daquilo que crê. A civilização foi construída dessa maneira. E não há outro modo. 
O PROFESSOR DE DESEJO - PHILIP ROTH
No final, tudo se resume a sexo. No final tudo se resume a sexo? Roth escreveu este livro nos anos de 1970 e eu o considero um fracasso. Nas memórias desse homem fictício, o que se sente é uma confusão dos diabos. Mas não é pela confusão que não gostei do livro. O motivo é a sensação fake que ele nos passa. Nada parece real. ninguém tem vida. Será de propósito? Teria Roth desejado que todos parecessem fake? ---------------- A narrativa acompanha a vida de David Kepesh, filho de um casal dono de um hotel nas montanhas. David logo cresce e se mostra um homem que vive para o sexo. Não há nada de erótico aqui, ele apenas gosta de prostitutas e depois mora em Londres com duas suecas. De volta aos EUA, tem uma história com uma loira linda e promíscua. E por fim encontra a salvação, já na maturidade, quando se casa com uma moça que parece uma criança, uma saudável mulher. No processo conhecemos seus pais, colegas de ensino ( David é professor ), o terapeuta, o desespero de David. E nada disso parece importar muito. O romance quase é salvo quando David encontra Claire e sentimos que Roth quer nos dizer que o mundo hipersexualizado dos anos 60 foi um pesadelo. Mas a epifania literária, algo tão difícil de se escrever, não ocorre. ---------------- Escrito com diálogos que se cruzam, descrições rasteiras, penso que Roth foi bem ambicioso aqui. Mas afundou na falta de direção. 
MANON LESCAUT - ABBÉ PRÉVOST
Lançado no começo do século XVIII na França, este romance deve sua imensa fama ao fato de ser um romance, talvez o primeiro da literatura francesa. Já havia romances na Inglaterra, Robinson Crusoe é um, e havia os longos livros de Richardson, mas na França ainda o que se via era a narrativa em modo "antigo", sem as características de estilo e de enredo daquilo que até hoje entendemos como romance: algum realismo, personagens críveis, enredo cheio de ação, sentimentos, história narrada por alguém que conhece todos os personagens. -------------- Dito isso, devemos dizer que Manon Lescaut, que virou óperas, ballets, filmes, é de uma chatice sem fim. Apesar de curto, é interminável. Isso porque o narrador, um infeliz que se apaixona por Manon, é um idiota que nos deixa sem qualquer tipo de empatia por ele. Exagerado, burro, ingênuo, precipitado, ele narra tudo aos prantos e por mais que tentemos não vemos sinal algum de ironia para o salvar. Manon é uma prostituta e só ele não percebe isso. Cheio de movimento, o romance não para de mudar de cenários, as estradas são o ambiente central. Mas este livro prova que movimento não significa ação e que falta de movimento não traz o tédio. É um romance que não fosse pioneiro teria sido esquecido a muito. 
MAX PLANCK, AUTOBIOGRAFIA
Um verdadeiro heroi, Planck deveria ter sua biografia transposta ao cinema. Salvou judeus, já na velhice, na segunda guerra e teve sua casa destruída em bombardeio. Perdeu tudo, inclusive sua vasta biblioteca. Como físico teórico, sua contribuição é única, com ele a física muda para sempre. A física quântica nasce aqui. Na biografia ele tenta conciliar Deus com a ciência, para ele, dois modos de indagar sobre a vida e duas maneiras de entender a realidade. Que não se anulam se voce souber perguntar a cada uma aquilo que é de sua competência. Modesto, Planck escreve sobre seu trabalho e quase nada sobre a vida pessoal. Sempre apaixonado pela ciência, Planck, ao lado de Einstein e Bohr é a raiz da física de partículas e da nova visão do universo. É isso.
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