JOSÉ ANGELO GAIARSA
Entre 1980-1986, o psiquiatra e terapeuta, José Angelo Gaiarsa aparecia na TV com frequência. Além de participar de vários programas, ele tinha horário próprio, na hora do almoço na Tv Bandeirantes. Junto com Gikovate e Mascarenhas, era ele o cara que popularizava a psicologia no Brasil. Era uma época em que na visão do povo, tratar da mente era coisa de louco. Ou de rico desocupado. ----------------- Sua simpatia era total. Ele parecia um Buda sorridente. Para mim, um jovem cheio de inibições, medos, neuroses, ouvir Gaiarsa era ver luz no fim do túnel. Seu discurso, libertário, era um alívio, e naqueles anos de abertura absoluta no costumes, uma benção. Gaiarsa não tinha medo de falar, em pleno horário de donas de casa, que as mães destruíam os filhos, que elas os ensinavam a se reprimir, que crianças imitavam adultos, e que as mães costumavam ser um exemplo nada saudável. Gaiarsa era a favor do gozo sem culpa, do casamento aberto, do tesão livre, da destruição da máscara de bom cidadão que nos obrigavam a usar. ------------------- Tenho lido seus livros, muitos. São simples mas jamais simplistas. Ele é POP, mas não charlatão. Nunca sai da competência psiquiátrica, na qual ele é muito bem treinado. Crianças são livres, adultos as destroem, elas carrega a vida toda a culpa por serem....crianças. Fingem ser adultos. Os mais doentes acreditam no fingimento geral. Cabe ao terapeuta liberar a criança reprimida. Parece terapia hippie de 1970? Parece sim. Mas como discordar? Se hoje o discurso é de que houve um excesso de liberalismo, o que pergunto é: houve mesmo? Tem certeza? ---------------- O que houve foi uma liberação das drogas e uma desvalorização do sexo. Consume-se droga, muita, mas seu uso não busca a iluminação, busca-se apenas um prazer rápido e inofensivo. E quanto ao sexo, sim, se trepa mais, mas se desafia a ordem social muito menos. O casamento monogâmico continua sendo lei, o desejo ainda é restrito ao amor ou ao compromisso, ainda se maquia sexo com as cores da poesia mais adocicada. Namora-se como se namorava em 1970. Se hoje namorados dormem na casa da menina, com as bençãos dos pais, é exatamente isso, com as bençãos dos pais. Não há sexo mais inofensivo que esse: transar na casa da mãe da namorada, ao lado do quarto do pai dela. O sexo em 2024 é livre, e ao mesmo tempo, por ser livre, é pouco excitante e muito bobo. Até os antes muito perigosos gays se tornaram tias de programas de TV. Sexo castrado. Sexo brinquedinho. ---------------------- Gaiarsa, se vivo, teria muito o que falar. A liberdade do corpo, que ele tanto pregava, para ele toda cura é corporal, se tornou obrigação. Temos de transar bem, transar gostoso, mas não podemos ter segredos, tem de ser tudo limpo, às claras, assumido perante a sociedade. Pois é ela, a sociedade, que faz o papel da mãe em 2024. Ela dita, ela vigia, ela cobra, ela corrige. Ser livre em 2024 é enfrentar a sociedade da midia-moda, como em 1970 era enfrentar pai-mãe. Se antes o sexo, feito por puro tesão, era a bandeira da liberdade, hoje, sexo não é mais liberdade, é antes, um quase dever. -------------------- Não estou dizendo que devemos não transar, que a castidade é o novo modo de ser rebelde. NÃO. O que digo é que transar e anunciar isso à todos, assumir sua homossexualidade, nada mais tem de libertário. É apenas uma gracinha futil. Talvez sexo como liberdade seja simplesmente manter tudo no privado, nada anunciar, nada compartilhar, ter uma vida interior. Manter a escuridão. -------------------------------- Nunca brincamos tanto e nunca fomos tão pouco crianças.