AS COMÉDIAS DA EALING
Não há nada mais inglês que as comédias da produtora Ealing. Feitas entre 1949-1955, elas têm aspecto vitoriano, sombras e lugares meio sujos, personagens excêntricos, conclusões cheias de ironia. Me sinto em casa as assistindo e sim, elas são consideradas alguns dos momentos mais brilhantes da história da arte da tela grande. Michael Balcon reuniu, como produtor, um time que trabalhava junto, diretores, roteiristas, fotógrafos que davam palpite, ideias, sugestões. Não era o humor feito para gargalhar, nada há de pastelão, mas sim aquele que mostra o absurdo da vida, a esquisitice das coisas, a hipocrisia das relações, e nos dá a alegria de saber que a vida não é tão séria assim. AS OITO VÍTIMAS ( KIND HEARTS AND CORONETS ) tem um roteiro genial de John Dighton e tem Dennis Price interpretando um jovem revoltado. Sua mãe, herdeira de um ducado, foi deserdada por ter se casado com um italiano. Ela morre em amargura, e o filho arma a morte de todos os nobres que levam seu nome, para assim ele próprio herdar ducado e castelo. O filme começa com ele na prisão, escrevendo suas memórias às vésperas de sua execução, ou seja, sabemos que o plano não deu certo. São oito vítimas, todas inescrupulosas, aristocráticas, malucas, todas feitas por Alec Guiness, e Alec, gênio, consegue fazer com que esqueçamos que todos são ele mesmo. Dennis Price, ator que foi marcado pelo azar, era alcoolatra e gay, dá um show como o assassino. Torcemos por ele. Há ainda uma Joan Greenwood que faz uma esnobe fútil e interesseira que é sua ruína. Robert Hamer dirige com gosto, tato, sabedoria. ------------------- O MISTÉRIO DA TORRE ( THE LAVENDER HILL MOB ) fala de um emrpegado do Banco da Inglaterra, Alec Guiness, que se une a um pintor modesto, Stanley Holloway, para juntos a mais dois gatunos, roubarem o ouro do banco. O plano é simples e crível e os personagens deliciosos. Como curiosidade, a primeira cena se passa no Brasil, país para onde Alec Guiness fugiu e tem Audrey Hepburn, em seu primeiro papel, tendo uma fala como Chiquita, uma menina de bar. O roteiro, de William Rose ganhou um justo Oscar e o diretor é Charles Crichton, que se tornaria professor de cinema e dirigiria no fim da vida UM PEIXE CHAMADO WANDA. É uma joia do cinema. ----------------- O QUINTETO DA MORTE ( THE LADYKILLERS ) foi refilmado pelos irmãos Coen e deu muito errado. Isso porque não há como recapturar o clima tétrico e dark de uma comédia que se parece com um filme de horror. Cinco ladrões alugam um quarto na casa de uma velhinha onde irão planejar um assalto. Para a velhinha fingem ser um quinteto de cordas. Críticos dizem que a senhora, Katie Johnson, mágica em seu único filme como estrela, representa a velha Inglaterra, calma, correta, sábia, aquela que deu certo, e os cinco ladrões são a Inglaterra que surgia em 1955, perdedora. Alec Guiness é o chefe do bando e sua atuação é uma das maiores da história do cinema. Maníaco, perigoso, asqueroso, infame, ele tem a seu lado o jovem Peter Sellers, que com topete e maneirismos faz um mod. Herbert Lom, que seria o comissário Dreyfuss na série da Pantera Cor de Rosa, é um estrangeiro mafioso de terno preto. Alexander Mackendrick, um grande diretor em todo gênero, dirigiu dando ao filme um clima soturno e tomando extremo cuidado com enquadramentos e cor. É um filme estranho, desagradável e ao mesmo tempo um prazer em rever. -------------------- Tenho ainda mais 3 filmes Ealing para ver, dentre eles dois que espero poder ver pela primeira vez a mais de 40 anos. Parabéns a Versátil por ainda nos dar esse presente.