KEVIN AYERS AINDA ESTÁ VIVO E PASSA BEM

Leio recentemente que entre 1969 e 1973 Kevin Ayers criou todo o rock inglês que seria feito nos anos seguintes. Tanto em termos de som, como em termos de assuntos e letras. ------------------ Eu escutei muito todos os seus discos entre 2008 e 2011. Me faziam um bem danado, naqueles anos da morte do meu pai e da descoberta de minha solidão. Kevin era profundo e muito bem humorado, um esteta apurado e ao mesmo tempo relax. Um hippie, mas também um Oscar Wilde do século XX. Suas músicas iam do mais refinado POP, à música concreta e repetitiva. Nesse processo, é simples perceber nele o estilo do Roxy Music, mas também da carreira solo de Eno. E também algo de Ultravox, Bowie, muito John Cale, Stranglers, Pulp, David Sylvian e rock alemão. Porém, ele é sempre Kevin Ayers, e mesmo quando parece POP demais, ele mantém algo só dele. ------------------ Sua voz é maravilhosa. Ele jamaos grita e nunca canta bem. Ele canta bonito. Sua desafinação é charme e o timbre, benção que ele recebeu de graça, é aquela do homem que bebe e fuma sem perder estilo. Sua voz nasceu para cantar canções bonitas e irônicas. Ele soa sempre distante. E afiado. Tudo que ele toca parece brilhar. Morador de Ibiza, há sol mesmo em suas canções tristes. Cada sílaba que Ayers emite tem o carimbo de sua vida. --------------- Ele era de Canterbury e isso dá marca especial a todo inglês. Centro do cristianismo, local de romarias, Canterbury tem sotaque pronunciado e ambiente medieval. Logo cedo, enquanto os Beatles ainda estavam em Hamburgo, Kevin já ia de carona no circuito Mahakesh-Bombaim. De volta, veio uma banda: Wilde Flowers. E depois o caótico e sublime Soft Machine. Um disco por ano de 1969 até 1984, carreira solo cheia de joias e isenta de chatices. Em Ibiza nos anos 70, ele criou a imagem de praieiro relax, sol e cerveja. --------------------- Em 1974 ele foi para a gravadora de Elton John. E se tornou uma quase estrela. Mas não deu certo. Apesar de ser um homem bonito, havia algo nele que impedia sua explosão. Era a preguiça. Ele compunha hits em potencial, mas perdia o momento por não se aplicar em tv e shows. Se tornou um artista low profile. Conhecido por conhecedores, ignorado pela massa. -------------- Ele faleceu a cerca de dez anos ( preguiça de pesquisar ). Mas não morreu. Reescuto agora alguns de seus discos e continuo encantado com a variedade que ele produz. Faixas de sons "sem sentido" misturadas a canções de beleza POP sublime. Sempre com sua marca: elegância e calma, boa vida e romance. A vox de Kevin Ayers é terapêutica, remédio contra tempos sombrios de feiúra extrema e mal gosto como lei. Poder ouvir sua obra é um prazer que não passa. Viva Kevin Ayers!