CIGARROS SÃO SUBLIMES - RICHARD KLEIN. UMA HISTÓRIA CULTURAL DE ESTILO E FUMAÇA

Este livro, lançado em 1998, faz parte da coleção da editora Rocco, PRAZERES E SABORES. Comprei imaginando que ia ler algo risonho, elegante, solar, sobre o ato de fumar. Mas não. É um interessante relato filosófico, sociológico e artístico sobre o cigarro. Sua chegada à Europa, sua popularização, o modo como ele modificou o planeta. ----------------- Primeiro fato: Eu nunca havia percebido, mas a literatura, o cinema, a música do século XX foi feita por gente que fumava de 40 a 60 cigarros por dia. É óbvio que a nicotina e o ritual do parar para acender, pensar, pausar o trabalho, ser envolto por fumaça, tem imensa influência em tudo que se produziu no período. Mais que tudo, o começar ao fumar, aos 12 ou 13 anos, foi a última "iniciação" á vida adulta que nossa cultura produziu. Fumar era ser homem, e quando as mulheres passaram a fumar, portar um cigarro passou a ser afirmação de força. ------------------ Eu também nunca havia pensado naquilo que se processa na mente quando acendemos um cigarro. O tempo é pausado e tomamos posse do relógio. Tudo cessa, o cigarro sai do maço, o fogo é aceso, a primeira baforada, a ilha se cria. Mais ainda, ao fumar o ser se joga à morte ( todo fumante sabe que está a se matar ). A morte é escolhida livremente, de modo consciente. É como se fosse afirmada a grande liberdade: eu tenho minha própria morte em mãos. Eu sou dono do meu tempo. ---------------------- No tempo do livro, 1998, já se fechava o cerco ao fumante. O cigarro começava a ser visto como vilão. O fumante como um tipo de ser sujo, um pária. Klein adivinha que isso faria parte de um cerco maior, o cerco à liberdade. Todo rebelde, todo inconformado portava um cigarro. Essa imagem começava a ser desconstruída. ------------ Ao mesmo tempo se favorecia o uso da maconha. E há aí a perversão: o maconheiro é pouco viril, conformado, lento, pouco agressivo. O fumante de tabaco é nervoso, viril, questionador. Bogart e John Wayne são diferentes de Cheech and Chong. O mundo do poder quer bilhões de Cheech and Chong. --------------- Se o garoto virava adulto ao fumar, optou-se pelo não ser adulto. Drogas que são brinquedos. Recreativas. O século XXI é o século do adulto como criança eterna. ------------------ Morrer de câncer no pulmão aos 60 anos era uma escolha. Hoje se morre de Alzheimer ou demência aos 80. A ansiedade, que era controlada pelo fumo, hoje é domada pela comida. As pessoas são mais gordas porque não fumam. Se eram gastos bilhões com doenças do tabaco, hoje se gastam bilhões com doenças da gordura. No nosso tempo, 2024, criou-se a certeza, covarde, de que ter uma vida boa é ter uma vida longa. Nunca foi e não é. Ter uma vida boa é ter uma vida livre. Completamente livre. ---------------- E a imagem da liberdade ainda é a do cara sem camisa e sem capacete, andando de moto na praia, sem protetor solar e com um cigarro entre os dentes que sorriem. Houve um pico de liberdade entre 1950-1990. Depois passou. E continua a passar. O Controle se fez maior em esportes ( cheios de regras morais e de comportamento ), arte ( artistas malditos parecem hoje crianças birrentas ), política ( não se aceita mais uma oposição real, apenas a consentida ), sexo ( perdeu seu poder de ofender e de criar medo e coragem ), diversão ( apenas aquelas que são aceitas pela moda e pela cultura pop ). O cigarro saiu de cena anunciando que esportistas, artistas, famosos, se tornariam cada vez mais impessoais e cada vez menos originais. Um Cruyff fumando um cigarro à beira do campo é hoje tão distante como é o surgimento de uma seleção que mude todo o futebol para sempre. --------------- Nos deixamos capturar. Não haverá retorno do "faça e deixe fazer". O mundo sem fumaça é bem menos colorido. ------------------ PS: não sou um fumante.