CASA COM VARANDA
Vejo esses programas de reforma de casas, programas que existem às centenas nas TVs fechadas. Sou apaixonado por casas, lares, e acho que a importância do lugar onde voce vive é muito maior que aquilo que as pessoas pensam. Li ontem um comentário de Dostoievski onde ele diz, já no tempo dele, que "viver em um quarto de teto baixo, pequeno, destroi o poder de uma pessoa ser criativa, pensar fora do padrão, sonhar". E no programa que vejo hoje, eles reformam uma casa em que Mark Twain se sentava à varande e ficava contando histórias. ------------- De 1980 até o ano 2000 toda casa ou apartamento tinha de ter uma garagem. O centro da casa era o carro. Hoje nem isso. O centro é a parede ounde há uma tela pendurada. Havendo a tela, nada mais importa. Uma cama, um chuveiro e uma pia. I isso é tudo. A casa não é mais vista como LAR e sim como um canto onde voce fica entre a hora do trabalho e a academia. A mensagem é obvia: nada de sólido é seu. Voce é um ser que se move nas ruas e nos lugares, sem nada fixo que seja a sua cara. Voce é uma peça do todo e não possui mais algo que seja SEU MUNDO. Voce não tem nada só seu: voce não tem discos, cds, dvds, livros, revistas, e mesmo as roupas são apenas as muito necessárias. Objetos de família não. Na verdade, família não. ------------------- Nas casas de antes de 1980, digamos de 1970, a coisa mais importante da construção era a sala. A sala servia para duas coisas: exibir seu status e receber pessoas. Se visitava muito e a sala mostrava quem voce era. Livros ou quadros, um bar, a TV, o tapete, tudo era um retrato daquilo que voce era. Ao entrar numa nova casa, mesmo que alugada, a primeira coisa que voce fazia era personalizar a sala. Uma casa e sua sala eram como uma declaração, este sou e meu mundo é assim. ------------------- Se pensarmos numa casa mais antiga, dos anos 50 por exemplo, veremos que ela se define pela varanda e pelo quintal. Por mais pobre que uma casa fosse, ela precisava de uma varanda e de um quintal. Por que? --------------- Uma família era constituída de pais e filhos e esses papeis eram bem claros. Os pais ficavam na cozinha e na sala, a vida do casal não era, como é hoje, vivida em função dos filhos, era vivida como laço afetivo, ou não, entre homem e mulher. Sala e cozinha eram o cenário dos dois e só dos dois. Os filhos tinham o quintal. Lá eles brincavam e ficavam distantes do mundo do casal. Crianças precisavam se sujar, tomar sol, ver passarinhos, chutar bola, poder gritar. O quintal era delas. ------------- Já a varanda era onde se via a rua e se fazia parte do mundo de fora. Na varanda se parava para ver o céu, se ia chover ou não, se percebia se fazia frio, se acenava para o senhor que passa, se assistia o cachorro vadio, se fofocava. A varanda era uma declaração, eu moro aqui e este sou eu. ---------------- Faz dois meses que me mudei para uma casa feita em 1950. Ela tem uma varanda. Eu sempre morei em casas, não me vejo em apartmaneto, mas nunca tive uma varanda. E percebo agora seu poder. Sentado à varanda, no fim da tarde, sinto uma onda de paz me invadir. Olho o céu, que parece maior, e vejo, lá longe, bem longe, raios anunciando chuva. A TV é desprezada na sala, pois vamos à varanda sem nem perceber. Fazemos a digestão, respiramos. Um sabiá passa, um vizinho anda com seu cão. De manhã eu me sento após o café e vejo o céu azul, as nuvens, sinto o dia que está vivo à varanda. Me acalmo. sossego, observo. Sim, uma varanda é mágica para quem sabe ser mágico. Casas com varanda eram obrigatórias porque as pessoas eram como varandas: abertas ao céu e a rua. Não há melhor lugar para conversar. E para esticar o tempo também. ---------------- Como terminar este texto? Seja uma varanda e nunca um studio. Se voce não pode ter uma ( e por favor, uma churrasqueira no vigésimo andar não é uma varanda ), adquira a postura do cara na varanda: olhe o céu pelo menos 4 vezes por dia. Fale bom dia aos vizinhos. Observe sua rua. E principalmente assuma que sua casa é sua e que ela é voce. Personalize-a.