SMITHS

Lembro de terem acusado os Smiths da faminilização do rock inglês. Bobagem. O rock inglês sempre foi feminino. Ou voce acha que Cliff Richard nasceu onde? Ou melhor, o rock inglês sempre se dividiu entre um estilo efeminado, estilo que está em MacCartney, Donovan e Winwood e um estilo Cockney-Macho, estilo que independe de opção sexual e que é aquele de Jagger, Daltrey e Plant. É o país de Shelley e do pré-rafaelismo, isso não é pouca coisa. ----------------- Morrissey, mais ainda que Leonard Cohen, é uma anomalia no mundo do rock. Ele simplesmente não é da coisa. Eu sei que ele foi chefe do fã clube do Mott The Hoople e que cresceu adorando Roxy Music e T.Rex, mas sua presença no mesmo universo que Liam Gallagher ou Joe Strummer é estranhíssima. Isso porque Morrissey é acima de tudo um tipo de estudante de Oxford e sempre será, mesmo com 65 anos de idade. Em suas letras nada remete ao universo do rock, mesmo que esse rock seja o de Bowie ou Pink Floyd. Ele canta como um inglês branco classe média ferido de amor e nunca tenta parecer um negro do blues ou um redneck do bayou. Seus lamentos estão a milhôes de anos luz de Van Morrison e mesmo sua verve nada tem de music hall, a verve de Ray Davies, talvez o artista mais próximo de Morrissey em espírito mas nunca em estilo. Nada do que digo aqui tem a intenção de dizer que ele é melhor ou pior que algum dos citados, Morrissey é apenas diferente. O único que parece de seu mundo é Scott Walker, e Scott também não parece ser do rock. ---------------------- Eu não ouvia Smiths desde 1986. Sim, voce não leu errado, 1986. Os conheci em 1985, através de Hatful Of Hollow. Lembro da primeira vez que ouvi, no escuro, e do que senti: estranheza. Não havia teclados, não havia solos de guitarra, a voz de Morrissey parecia fora de tom. A sensação era de que ele cantava uma canção e Johnny Marr tocava outra. Marr fazia acordes maravilhosos, rítmicos e Morrissey ia cantando um la la la aleatório do modo que quisesse. Essa foi minha primeira impressão e mesmo assim me apaixonei por Hand In Glove e What Difference does it Make. ---------------- Depois entendi melhor e por um ano eu ouvi Smiths até cansar. Smiths, REM e Lloyd Cole, foram meus sons de então. Como foi ouvir hoje? ------------------ Well..... eu havia esquecido como Johnny Marr era bom. Hand in Glove começa e voce é invadido por uma floresta de acordes maravilhosos. A impressão é histórica, uma canção que marcou um tempo. A banda toca com confiança absoluta, a voz não pede licença, ele vem e fala o que tem de falar. Smiths estreava com esse single em 1983 e não podia ser melhor. Quando What Difference does it Makes começa eu lembro do que sentia em 1985: exultação! Canto com Morrissey hoje como o Eu de 1985 cantava. Unidos dois Eus em quase 40 anos de vivência. É uma das melhores canções do rock inglês. Confesso: sim, eles foram uma das 5 ou 6 maiores bandas que a ilha já deu ao mundo. Sheila Take a Bow antecipa todo o Oasis e Pulp, está tudo lá. A idolatria está justificada. Em apenas 3 anos eles deixaram marca tão forte que até hoje nada surgiu por lá que sequer tocasse sua posição. Stone Roses, Radiohead, Artic Monkeys...a Inglaterra produziu suas bandas icônicas, mas quando voce ouve How soon is Now é preciso falar em Kinks, Who, Beatles para poder comparar seu impacto. ------------ Não, não sou fã dos Smiths. Continuo preferindo Stones, Led ou Who, mas reconheço que neles há genialidade. Uma fórmula só deles. -------------- Sim, após 40 anos podemos dizer: são eternos. PS: Óbvio que eu sei que Mick Jagger é bissexual e que sua imagem sempre foi dúbia sexualmente. Mas sua música é viril, terrivelmente cheia de testosterona. Pergunte a uma feminista o que ela acha das letras de Jagger. Os Rolling Stones deixam uma herança de bandas cheias de atitude macho, seja Aerosmith, seja New York Dolls. Quando falo que MacCartney feminilizou o rock inglês desde 1963, falo o óbvio, a obra de Paul, que adoro, é castrada. Sua música não tem pênis, agressividade, atitude viril nenhuma. George e John perto dele são como hunos estupradores. Paul fez ao rock inglês aquilo que Tom Jobim fez com o samba, transformou o que era duro e perigoso em algo fofo. Nos EUA os Beach Boys fizeram o mesmo.