O CONTRÁRIO DO AMOR NÃO É O ÓDIO, É O TÉDIO. A NOITE, DE ANTONIONI, UMA OBRA PRIMA IRRETOCÁVEL
Um elevador desce, estamos em Milão e é 1960, a Itália vive, junto com o resto da Europa Ocidental, um boom de crescimento que nunca mais se repetirá. Então o que vemos é uma cidade em obras, uma classe de novos ricos, um mundo novo. É nesse ambiente que se faz o milagre do cinema italiano, uma geração de cineastas, atores, filmes, sem igual. O que me leva a pensar que o cinema, por ser indústria, floresce no momento em que uma nação cresce economicamente. Na dicotomia entre o passado que se vai e o futuro que é construído há uma inspiração que se faz visível no cinema. Aconteceu isso com a Europa entre 1945-1970, a China dos anos 90, o Japão do pós guerra, a Coreia deste século, o Brasil de 1955-1970. Os EUA nos anos de recuperação da grande crise de 1929 e depois no apogeu dos anos 50-60. Todos esses países viveram seu grande cinema no momento de crescimento financeiro. Não se faz grande cinema em crise econômica.. -------------- A NOITE é uma obra prima perfeita e conto o porque. ------------------ Um homem morre na cama de um hospital de luxo. E não me lembro de ver cena mais triste de uma morte em hospital em filme nenhum. Ele é visitado por um casal amigo, Marcello Mastroianni e Jeanne Moreau. Ele é escritor e acaba de lançar um livro. O amigo que morre tenta se mostrar bem, mas a dor vem e o ataca. Se despedem. Faz sol lá fora, servem champagne, nunca morrer foi tão limpo e tão chique. -------------- O casal reage de duas formas diferentes à morte. Ela sai antes do quarto, incapaz de suportar a cena. Irá andar a esmo por Milão, perdida na periferia da cidade que ainda apresenta amplos espaços vazios. Acontece uma briga de jovens gangues, um bar de madeira, pobre, e rapazes soltando foguetes em campo aberto. Ela liga para ele e o marido vem a buscar. --------------- Enquanto isso o marido quase faz sexo com uma paciente louca no hospital. No carro ele conta isso à ela. A esposa não reage.---------------------- No apartamento dos dois há a primeira cena magistral. Na banheira e depois se vestindo, sutilmente, Jeanne Moreau tenta seduzir o marido. Ele não percebe. Ou finge não perceber. O rosto que Jeanne faz é, sem dúvida, a melhor coisa que essa grande atriz fez em cinema. Um momento de tamanha sutileza que ficamos impressionados. Todo um diálogo dito sem uma só palavra. O olhar de Jeanne se abre, na esperança do amor, mas se fecha, conformado, ao perceber que o desejo se foi. Antonioni sempre coloca a mulher como aquela que percebe antes. ----------------- Então os dois vão ao lançamento do livro do marido, passam por uma boate, e depois à uma festa na mansão de um milionário. Na festa, ela se isola, liga para o hospital e fica sabendo que o amigo acaba de morrer. E então vê o marido beijar a filha do dono da casa. O marido, pouco se importando com a a esposa, seduz e é seduzido por Monica Vitti, a filha do milionário. A festa, cheia de jazz, à beira da imensa piscina, é povoada de risos, diálogos entrecortados, gente que bebe. --------------- Chove, e como vingança, a esposa quase fica com um playboy. Mas não. Ao mesmo tempo, filha do dono da casa desiste do marido, ao saber ser ele casado. E Marcello, enfim, reencontra a esposa ao amanhecer. Partem da mansão e param no campo. -------------------- Vem então, talvez, o maior momento da admirável carreira de Mastroianni. Ele tenta salvar o casamento e abraça a esposa procurando reviver o desejo. Tarde demais, ela não reage mais. Fico muito emocionado com a atuação de Marcello aí. O rosto dele mostra o profundo desespero de alguém que se deixou matar pelo tédio. Ele não a ama mais, mas procura, para se salvar, salvar a relação terminal. Vem então uma certeza: O contrário do amor não é o ódio, pois o ódio nos une à alguém. É o tédio, pois ele mata o outro e nos destroi com ele. Sem uma só palavra, Antonioni e Marcello nos dizem isso. Não me lembro de filme com modo mais belo de mostrar a morte do amor. ---------------- Deitado sobre Jeanne, sujo de barro, Marcello fica quieto. Tudo cessou. A câmera se afasta e mostra o campo vazio. O filme acaba. Eles terminaram. Não há mais nada a fazer. Absolutamente perfeito. ------------------ Sim meus caros. Uma obra prima. O cimema italiano quando acertava era imbatível. Obrigatório. PS: E há uma carta, que ela lê, na cena final, que é a coisa mais bela sobre o amor já dita em cinema. Foi o persoangem de Marcello quem a escreveu. Mas ele não lembra de a ter escrito.....